Historias de Poços

O Primeiro Avião em Poços de Caldas


O epsódio a seguir foi descrito pela saudosa Julieta Maram Silva, em uma coletânea de lembrança dos fatos do passado que marcaram a vida da cidade e que a outra escritora, Beatriz Monteiro comparou com a Macôndo de Gabriel Garcia Marques.
Aconteceu em 1921. Fontes oficiais informavam:
– Pela primeira vez um aeroplano pilotado por dois aviadores italianos Giovani Robba e Vasco Cinquini, faria a rota São Paulo-Poços de Caldas.
Assim, naquela manhã de domingo do mês de julho, ainda a geada branquejando os campos, telhados e quintais, toda gente entusiasmada e ansiosa, descia a Avenida João Pinheiro rumo ao campo em frente ao posto Zootécnico, hoje Country Club, onde desceria o avião.
Os carros de praça, puxados por cavalos, não paravam, no vai e vem, transportando famílias inteiras para o grande espetáculo.
Desceu a avenida a banda regida pelo Major Trindade, sempre vestido de brim pardo, então cor oficial do exército. O prefeito da cidade, João Baeta Neves acompanhado por autoridades civis e militares, uma comissão da sociedade italiana Stella D’Itália, que saudava os aviadores fazendo-lhes a entrega de uma medalha de ouro comemorando o grande acontecimento. Em meio a outras moças da nossa alta sociedade, a jovem Bolinha Junqueira que faria a entrega de flores a Giovanni Robba e Vasco Cinquini. Não faltou ninguém. E não faltou também o velho italiano Villa com sua carroça puxada pela mula Gioia. Villa dizia ter sido soldado de Garibaldi e trazia sempre no pescoço um lenço vermelho, emblema do Exército Garibaldino.

Nesse dia, a mansa e paciente Gioia trazia também amarrado no pescoço um grande lenço vermelho num escandaloso laço, a maneira mais certa de que Villa encontrou para traduzir seu entusiasmo pelos patrícios heróis do dia.

Do lado de lá do rio, os roceiros vindos de fazendas e sítios vizinhos, amarravam seus animais nos trocos dos velhos eucaliptos, amassando as pontas das capituvas cujas folhas ainda estavam salpicadas de geada.
A chegada do avião estava prevista para as dez da manhã, mas o tempo corria e o céu de Poços nunca foi tão examinado e perscrutado, quando, já às 15 horas apareceu um ponto preto no céu.
É ele, é ele! Diziam todos, mas o Zé Vicente, um sitiante que veio da serra do Selado e que desde cedo estava à espera, gritou com seu vozeirão: Num é avião nenhum, é um “gavião campero” Mas não era gavião e sim o hospede tão esperado que já vinha sobre os quintais beira-linha do trem, passando pertinho da cabeça do Nello Vitti que no alto de uma escada podava as videiras e, em voo rasante para aterrissar, houve um imprevisto; Altos eucaliptos beiravam o campo, o aparelho ganhou altura, passou sobre as árvores e baixou rápido, mas a dimensão do campo foi insuficiente para deter a velocidade do aparelho e já se previa um acidente grave quando uma valeta providencial no final do campo colheu lhe as rodas no momento em que alcançava a cerca de arame do quintal de Santo Bolleta, quase levando o varal de roupas branquinhas que dona Julia estendera aproveitando o sol da manhã.
Foram; delírio:….susto….. aplausos… gritos…

E todos correndo para o fim do campo. Correram as autoridades. Correram os músicos da banda e ainda mal perfilados iniciaram uma marcha militar. Correu a mocinha com as flores, a comissão italiana, todos ansiosos.


Quando os dois aviadores surgiram na cabine, com seus macacões brancos, capacetes justos à cabeça e grandes óculos escuros, já todos rodeavam o avião saudando em voz alta, enquanto foguetes espocavam nos intervalos.

Depois de abraçados por todos, Robba e Cinquini vieram para a cidade, sendo hospedes do Grande Hotel.
No dia seguinte começara os pilotos a reparar o aparelho danificado pela aterrissagem anormal e começou para, as crianças do bairro,a maior festa.
Dia inteiro lá estávamos, a principio, à respeitosa distancia, mas logo tomando conta da situação, subindo no aparelho, pendurando na cauda ou a cavalo no dorso do aparelho, até que a paciência dos italianos se esgotava e lá vinha a ordem:
-Via bambini, via tutti!
A gente se afastava, mas logo de volta, repetia tudo.
O trabalho se estendeu por vários dias e numa manhã bem cedinho, mal clareava o dia, rodeado de alguns moradores do bairro e pela turma miúda que saiu cedo da cama naquele dia, lá estava o avião com as hélices em movimento pronto para voar.
Ao entrar na cabine, Robba voltou-se para a criançada e disse:
– Adio per tutti, addio bambini.
Hoje, décadas são passadas, depois que o nosso brinquedo maravilhoso deixou o solo, ganhou altura, passou sobre a estação do trem e desapareceu dos nossos olhos.
E hoje que o invento de Santos Dumont se transformou em boings gigantes que cruzam nosso mares com destinos a outras terras, em jatos que superama velocidade do som, e quando a esquadrilha da fumaça parece sacudir nossas montanhas com a força ruidosa de seus motores, eu me amarro à lembrança daquele aeroplano, tão frágil, painel de comando tão pobre, um ruído de motor tão fraquinho que lá mo céu, em cima da estação do trem, tinha razão o Zé Vicente; Parecia mesmo um gavião campeiro.”

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