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Uma Infância de sonhos (In Memória do Professor Jésus Bernardino da Costa)


 

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Bonjour Roberto comme vous êtes ?

Foi assim, em frances,  meu primeiro contato com o ilustre vizinho, professor Jésus Bernardino da Costa.

Eu apareci na roda dos meninos e meninas que brincavam nas imediações da escola Lions Clube com um gravador de áudio. Todo mundo gostou da curiosa novidade que reproduzia voz e os filhos do professor levaram-me para casa para mostrar a novidade Dona Nega, uma das vizinhas e amigas da Dona Tereza, ao ouvir a própria voz fugiu dizendo: Eu tenho medo de você porque você arremeda tudo que eu falo”.

Já o professor gravou um texto em francês, língua que também era sua paixão, depois da língua portuguesa.

Era um tempo tranquilo para os meninos e meninas do alto da Rua Assis, especialmente, a partir do numero 1910. Ali morava o professor Jesus Bernardino da Costa com sua esposa Dona Tereza Paes, dois filhos e seis filhas.

A casa era enorme e estava sempre cheia. Além dos oito filhos sempre estavam por lá amigos, sobrinhos e, vizinhos como eu, que passei a ser identificado como da família, ou seja, o Roberto do professor Jésus. Eu que morada do lado, passava maior parte do dia na casa do professor. Os parentes eram todos meus parentes, o tio Ataíde, pai do cantor de musica country, Juliano Cezar, a tia Alaíde, o vô Antônio e a vó Tonica, sempre as voltas com sua roda de fiar algodão, e muitos primos e primas, Clovis, Gloria que o Chiquinho chama de tia Goiá. Tia Lúcia, tio Jair do hotel líder, tia Marlene, tia Neide, vários primos. Tenho até hoje pelo professor Luciano Bernardinho da costa, professor de fotografia da PUC e grande pessoa. Nos tratamos sempre com carinho como parentes, etc.

Professor Jésus lecionava português no São João da Escócia, foi fundador da escola Monteiro Lobato, também tinha um cargo na secretaria de estado da Agricultura junto com Dr. Ozório, pai da minha querida professora Carmem Cinira Machado Franco e, também adquiriu áreas grandes de terra onde hoje á bairro Santa Augusta e parte do bairro Santa Maria. Planejava fazer loteamentos, mas pelas necessidades momentâneas acabavam vendendo mesmo seus 15 alqueires em áreas menores, só tenho restado na conta final uma área remanescente de aproximadamente quatro mil metros. Mesmo com boas propriedades, atividade como professor

Voltemos para a casa 1910. Além da grande casa também existia um grande pomar com pitangueiras, jabuticabas, abacateiros, pés de Caqui, goiabas, enfim, sempre havia uma fruta pronta para ser comida no pé. As manhãs eram uma verdadeira algazarra de pássaros se deliciando com abacates que amadureciam no pé. Curiosamente me lembro de um fato agora. Nós, os meninos, nunca tivemos a cultura de caçar ar passarinhos. Os pássaros podiam brincar tranquilos e com segurança. pois os amigo que lá entravam cumpriam tal protocolo.

Outro atrativo vinha da culinária. Dona Tereza, eximia quitandeira sempre preparava alguma coisa com destaque para os biscoitos e as broas de pau-a-pique, aquelas assadas enroladas em folhas de bananeira. Pamonhas, coral, doce de laranja ou pera colhidas no próprio quintal.

O professor tinha também outras paixões, uma delas era ligada a mecânica. Ele tentava fazer com coroas e pinhões de caminhão mais a lei da gravidade, aquilo que se conhece como “Moto continuo”. Algo que uma vez acionado, passa a gerar rotação sem utilizar qualquer outra fonte de energia. Um sonho antigo de muitos inventores. Hoje já existe algo utilizando força magnética. Porem não interessa para o mundo capitalista um motor que não utiliza qualquer combustível. Ele sonhava também com um teleférico com saída nos altos do Bairro Santa Augusta, cujas cabines passariam sobre a cidade a mais de trezentos metros de altura.

Na casa, outra árvore era especial, uma paineira plantada pelo professor, e que crescera vigorosa e garantia espetáculos com flores, com os blocos de paina que se abriam de tempos em tempos.

O carinho que o professor Jésus pela língua portuguesa era de fazer inveja, aliás, ele abria suas aulas parafraseando Olavo Bilac, dizendo: Vai começar a aula da nossa última flor de Lácio.

Alguns dicionaristas, respondendo sobre dúvidas da língua portuguesa, mencionavam o Professor de Poços de Caldas sobre as mencionadas questões.

Daniel Pereira

Nem é preciso dizer que na casa existiam também bons livros. Foi lá que eu li pela primeira vez

Os Lusíadas, de Camões, grandes clássicos da literatura e ainda um dicionário bibliográfico que meu pai dizia ser o mais completo do mundo, Lello Universal.

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Eram quatro volumes enormes onde se encontrava tudo de todos os assuntos, tudo que uma criança havida em conhecer queria.

As atividades comerciais levaram toda a família do professor para Planaltina de Goiás, que ainda era uma pequena comunidade perto de Brasília, mas de alguma forma estávamos sempre em contato o que ampliou depois do advento da internet.

A chácara teve nossa cada demolida, dando lugar para dois espigões, mais parte do pomar com nossas árvores frutíferas ainda foi mantida não se sabe até quando.

Certa manhã de quinta feira recebi uma ligação do professor que passaria por uma cirurgia simples no sábado. Ele queria que se encontrasse um apartamento alugável por trinta ou 60 dias porque depois da cirurgia ele queria passar um período em Poços de Caldas. No sábado houve complicações no procedimento cirúrgico e ele veio a falecer. Dias antes também. coisa que não se explica, ele havia escrito de punho belíssimas cartas para alguns parentes, que nos davam a impressão de ser um texto de despedida.

Fui ao alto da Rua Assis para avisar vivinhos e amigos mais próximos, dentre os quais, o também professor Nicola Romano, falecido recentemente. E qual não foi minha surpresa ao saber que no mesmo dia fatídico a grande paineira por ele plantada também estava sendo ceifada.

A família cresceu e hoje se divide entre Uberlândia, Planaltina e Brasília e de tempos em tempos nos encontramos todos, como se não tivesse ocorrido um intervalo entre nós.

As amizades construídas durante uma infância de sonhos são eternas. Mas a saudade deixa um vazio que não se preenche na lembrança.

18 thoughts on “Uma Infância de sonhos (In Memória do Professor Jésus Bernardino da Costa)

  • Rejanne Gussoni

    Roberto: eu, Rejanne, filha mais velha do “seu” Jesus, poderia fazer um comentário extenso sobre o seu maravilhoso artigo. Mas vou apenas agradecer, de coração, todo o respeito e carinho que você revelou através dessas lembranças . E o que dizer desta sua memória privilegiada, heim? ! Meu Deus! Sim, você se tornou parte dessa família desde sempre. Um parente, um irmão, e porque não dizer, um filho que continua buscando o ” por que” das coisas, compartilhando sempre uma incansável curiosidade. Obrigada pela linda homenagem. O professor deve estar muito orgulhoso em saber que você, melhor do que ninguém, tem feito sua lição de casa em bom português. Beijo da galeram

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    • Querida Rejanne, as verdadeiras amizades são eternas. Quisera hoje, refazer toda nossa trajetoria com a inocenscia daquele tempo e o amadurecimento de hoje para ter realmente aprendido portugues e toda a cultura que estava a minha dispoção e eu não sabia absolve-la. Amo vocês. Um grande abraço a todos.

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  • Eu vi a Cibele

    Lindo! Muito lindo mesmo Roberto. Obrigado por nos oferecer este texto me emocionou muito.

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    • Ola, realmente a nossa Rúbia Cibele, depois de bastante tempo esteve em Poços meses passado, Juntamente com Dona Tereza, Roseli Rejanne e Juninho. Um grande abraço.

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  • Adalice Paes da Costa

    Parabéns Roberto Tereziano muito linda esta tua reportagem como me lembro do meu tio e padrinho Jesus que eu muito amava e admirava ! Me lembro dele falando com brilho nos olhos e muito carinho de você!
    Parabéns por sua tragetória e sucesso como pessoa e jornalista.Que Deus continue iluminando seu caminho.
    Tudo que escreveu eu vivenciei com eles , tio Jesus, tia Tereza e meus queridos primos irmão!
    Infãncia bonita e querida que não me sai do coração!

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    • Querida Adalice, que saudade sinto de todos voces. Seu pai com toda a calma de farmaceutico, sua mãe e seus irmãos. Certo dia pensei ver o Fernando em Poços de Caldas mas aome aproximar vi que não era ele. Adalice, a menos de umm mes perdemos o Paquito. Ele morava nos Estados Unidos e não resistiu a uma cirurgia. A proposito, ou nas fotos de minha pagina do Face chamada Retronauta Brasil ou em minha outra pagina chamada viverpocosdecaldas há uma foto de uma cena sua no filme Escadas para o Infinito. Um grande abraço.

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  • Carlos Roberto Paes Bernardino

    Chorei meu irmão ! Lindo texto…obrigado…Te amo…Saudades.

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    • Olá Querido “KaKá” que saudade… sonho com a possibilidade de um dia vocês adquirirem mesmo que seja um apartamento em Poços para poder estar mais presente na nossa Poços de Caldas. São muitos os amigos que perguntam de vocês, com saudade. Um fraterno abraço.

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  • Regina Zingoni

    Estou sem qualquer tipo de reação!! Maravilhoso relato!! Acontecimentos q mesmo como sobrinha do professor Jesus eu não sabia!! E tantos outros que sim, os vivi na minha infância e juventude ao lado dele !! Professor Jesus um orgulho ser sua sobrinha!! Excelente professor de Português!! Grande ser humano!!
    Sua vida foi uma Vida cheia de Sabedoria!!
    Uma vida Vitoriosa!!!

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    • Querida Regina, como vai a vida pelo Chile? Da mesma forma que me lembro do nosso querido professor, tenho na lembrança o Vô Antônio e seu inseparável chapeu, Tio Jair,, a Vó Tonica e a Tia Alaíde, Tio Ataíde, etc. Enfim, a família. Sempre encontro com a Glória e agora com o Clovis, que voltou a morar em Poços. Um grande abraço família.

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  • Carlos Alberto Alquéres

    Belas recordações sobre o Tio Jesus, uma pessoa culta, inteligente e muito amorosa, contagiava todos ao seu redor com seu equilíbrio.
    Generoso texto de Roberto Tereziano!

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    • Olá Carlos, um grande abraço. Que bom que a rede nos ajuda a encontrar os amigos (parentes) e compartilhar lembranças eternas. O prof. Jésus foi daquelas pessoas que nos ajudaram a formar uma linha de ética e conhecimento que nos acompanha pela vida toda. Tenho sempre muita saudade das conversas e das aulas de vida.

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  • Tania Mara de Sousa Risola

    Lembro muito bem do professor Jesus, foi meu professor de português no ginásio, no São João da Escócia , e meu vizinho. Quantas vezes voltávamos conversando . Muita saudade.

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  • Grato pelo comentário. Você também morava pelos altos da Ria Assis?

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  • Tania Mara, me lembrei da família Risola que tinha uma grande distribuidora de bebidas no alto da Rua Assis, perto da Rua dos Expedicionários, dentre as quais estava a cerveja Caracú. era a sua família? Risolinha e tal…

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  • Francisco

    Bela homenagem ao tio Jésus, e toda a sua família. Memorias incríveis de quando este meu tio, pela parte materna, contava-me as aventuras do Pedro Malasartes. Parabéns para o texto.

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  • Elisa Junqueira muniz

    Infância ……..faz tempo .
    De repente em sonhos , voltamos a doçura de uma infância , na verdade pré adolescência .
    Os bailinhos , eletrola isso mesmo ?
    Disco de vinil .
    Grande professor .
    Grande família .
    Saudades .

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