Porque Che Guevara foi condecorado Pelo Brasil?
Fui agradecer ao embaixador Sérgio Frazão pelo apoio dado com a disponibilidade de sua genial secretária, e comentamos os fatos ocorridos.
— Você sempre está envolvido no meio de mágicas — disse ele.
É verdade. Quando fui convidado por Jânio Quadros, para assessorá-lo na Presidência da República e, sobretudo, na política do café, o Brasil tinha a tradição de nomear para o IBC — Instituto Brasileiro do Café — os líderes rurais, fazendeiros e produtores, ou presidentes das associações cafeeiras. O café era muito importante para o país naquela época. Ainda é. Mas, em 1961, a exportação desse produto representava três bilhões de dólares num total de quatro a cinco bilhões. Recomendei que fosse nomeado para o cargo um diplomata, bom negociador internacional. A política do café tinha que se voltar para a conquista do mercado externo. Com esse perfil, encontramos o ministro de segunda classe do Itamaraty, Sérgio
Armando Frazão.
Trabalhamos juntos nos sete meses do Governo Jânio. Fizemos tudo o que era possível. Acabamos com o confisco cambial que pesava sobre a exportação do produto, para felicidade geral da cafeicultura. Criamos incentivos para a produção de qualidade, a fim
de enfrentar a concorrência do café colombiano e atender à exigência da maioria dos consumidores de café por esse mundo afora. Provocamos a inclusão dos importadores no acordo internacional do café, para que eles ajudassem a vigiar os exportadores que
fraudavam suas cotas fixadas pelo acordo internacional. Essa questão foi tema de uma discussão brava numa reunião dos países produtores integrantes da OEA, realizada em Punta del Este, no Uruguai. Nos debates, tive forte discussão com o representante da Costa Rica, pois ele reagiu furiosamente a uma acusação minha contra a fraude às cotas de exportação praticadas por seu país. Eu tinha até a lista das empresas norte-americanas
que importavam o café costarriquenho fora da cota. Os demais países produtores, iguais vítimas da fraude, passaram a dar apartes em meu apoio. E, de repente, uma voz se
levantou na sala dos debates:
— Proponho que se encerre esta discussão com um imediato voto de censura à Costa Rica e voto de prestígio ao Brasil. Era o representante de Cuba: Che Guevara. Estava ele no auge do seu romântico prestígio internacional. Costa Rica foi massacrada pelo plenário.
Naquela noite, Frazão e eu fomos jantar com Guevara. No dia seguinte, cedo, o Ministro Clemente Mariani, chefe da nossa delegação, convocou-me para comunicar:
— Recebi ordens do Presidente Jânio, para informar ao Che que ele será condecorado com a Ordem do Cruzeiro do Sul e para convidá-lo a ir a Brasília, a fim de receber a condecoração logo após a reunião da OEA. Isso vai ser uma bomba. Os Estados Unidos vão nos devorar.
Frazão estava junto. Perspicaz e de uma inteligência invejável, matou a charada:
— Ministro — disse ele ao Clemente Mariani —, não se preocupe. O Presidente Kennedy vai adorar o fato. Ele está lutando no Congresso norte-americano para aprovar verbas destinadas a um programa de ajuda à América Latina, chamado Aliança para o
Progresso. Esse gesto do Brasil vai assustar os congressistas republicanos contrários a Kennedy, e a verba será aprovada. Ali as coisas funcionam à base do medo.
Frazão tinha razão. O melhor combustível para tocar americanos é o medo. Naquele tempo, o medo era do comunismo na América Latina. O programa foi aprovado. Porém, ao final, depois do assassinato de Kennedy, como quase tudo em matéria de verba na América Latina, terminou em corrupção, confirmando nossa gloriosa latinidade.
Mas, em Punta del Este, conseguimos incluir no Acordo Internacional do Café os países consumidores, que passariam a ajudar no controle das cotas dos exportadores. Sérgio Frazão foi o herói dessa conquista.
Por que ele falou em mágicas?
Saulo Ramos (ex-ministro da Justiça)- Do Livro Codigo da Vida