A LAS VEGAS BRASILEIRA
Em abril de 2016, fez 70 anos que o presidente Gaspar Dutra decretou o fim do jogo de azar no Brasil. Milhares de pessoas ficaram sem emprego da noite para o dia e milhões de dólares investidos em suntuosos cassinos e hotéis de luxo se perderam.
Na época de ouro dos cassinos (1930 a 1946), todas as estâncias hidrominerais no Sul de Minas Gerais exploravam dois ramos do turismo: o jogo e a cura pelas águas minerais. Poucos confessavam que iam à Serra da Mantiqueira para jogar – a justificativa da maioria era sempre o tratamento de alguma doença não muito complicada, que invariavelmente descambava em nervosismo (estresse) ou problemas gastrintestinais.
Nada que uma aguinha mineral bem tomada (e noitadas de jogo e esbórnia) não desse jeito.
Saúde e jogo
Dentre as cidades onde o jogo literalmente dava as cartas, como Caxambu, São Lourenço, Águas de Contendas, Cambuquira, Lambari e Araxá, a vulcânica Poços de Caldas era a mais movimentada, a ponto de receber o apelido de “Las Vegas brasileira”. A efervescência dos cassinos e cabarés começava às seis da tarde e ia até o alvorecer, exceto nos feriadões, quando a farra durava três ou quatro dias seguidos.
O escritor João do Rio, no livro “Correspondência de uma Estação de Cura”, conta que a maioria dos veranistas que chegavam sob o pretexto de tratamento de saúde realmente estava buscando a animada orgia em que Poços se transformava à noite. Os hotéis restringiam a um pequeno número os quartos destinados aos doentes, porque os hóspedes que interessavam eram os da alta sociedade, que iam em busca dos prazeres.
Tanto dinheiro e homens atraíam mulheres de todas as regiões brasileiras, mas sua presença era discreta; elas não se misturavam aos visitantes e atuavam somente nos recintos fechados das casas de diversão, hotéis e salões de jogos.
Diz-se que diversos médicos locais fizeram fortuna tratando de doenças venéreas adquiridas pelos visitantes. Tudo feito com muita discrição e civilidade, naturalmente.
O esplendor
Os grandes nomes do teatro e as melhores orquestras se apresentavam na cidade, que chegou a ditar a moda nacional: era de “bom tom” as madames da elite ostentarem jóias feitas pela Casa Michel, de Poços de Caldas, e possuirem alguma roupa que tivesse causado furor em exibições prévias no “footing” próximo ao Grande Hotel.
A cidade teve 20 grandes cassinos funcionando nessa época, a maioria com arquitetura majestosa e interior requintado, inclusive uma réplica do Cassino da Urca, do Rio de Janeiro, que hoje, restaurado, abriga atividades culturais do município. A moeda que corria no comércio local era a ficha de jogo, aceita e trocada com naturalidade em qualquer loja.
Dando, pode
A Igreja, de início, condenou a jogatina e o desregramento das noites poçocaldenses, o que era um grande problema porque os mineiros sempre foram católicos fiéis e, não raro, muitos funcionários faltavam ao trabalho nas épocas “proibidas” pela Igreja, geralmente em feriados santos, justamente quando o movimento de turistas era maior.
Isso só acabou quando os donos de cassino tiveram a idéia de oferecer aos padres a renda do jogo em um determinado dia santo, de sua escolha. Bastou a Igreja receber a primeira bolada de grana “revertida para a caridade” para passar a defender ferrenhamente o jogo de azar, como demonstra um peculiar artigo intitulado “O valor social dos cassinos”, publicado no jornal paroquial Diário de Poços
De tropeiro a empreiteiro
A expansão do jogo no Brasil nos anos 1930 deveu-se a um mineiro chamado Joaquim Rolla, que, apadrinhado pelo presidente Arthur Bernardes, deixou de ser tropeiro de mulas para tornar-se empreiteiro de obras para o governo.
Resumidamente, sua história é esta: em 1932 chegou ao Rio, perdeu todo seu dinheiro nas roletas do Copacabana Palace, retornou falido para Minas, entrou na concorrência para a construção de uma estrada de ferro e ficou milionário. Logo depois, voltou para o Rio e foi comprando, aos poucos, as ações do Cassino Balneário da Urca até se tornar seu proprietário.
Inventivo, Rolla criou o embrião de uma agência de propaganda para promover a Urca, a Agência Difusora de Anúncios, que foi responsável pelo sucesso internacional do cassino. Seus redatores eram os jornalistas Olímpio Guilherme, Franklin de Oliveira e Carlos Lacerda (depois, governador da Guanabara).
Vegas vira silício
Com o êxito do empreendimento da Urca e o dinheiro entrando a rodo, Joaquim Rolla iniciou uma rede de jogatina pelo Brasil. Quando o jogo acabou, em 30 de abril de 1946, ele ainda controlava os cassinos da Urca do Rio, da Urca de Minas, da Pampulha e de Araxá, além dos hotéis cassinos Quitandinha e Icaraí, o Tênis Clube de Petrópolis e, uma tentativa de diversificação, o Pavilhão de São Cristóvão, recinto de feiras e exposições.
A maior parte dos cassinos daquela época está restaurada, servindo como hotel ou recinto de apoio à Cultura – destino, coincidentemente, de ambos os ex-cassinos da Urca, embora o do Rio esteja praticamente abandonado.
Poços de Caldas superou a fase de decadência causada pelo fim do jogo e tornou-se a maior cidade do sul de Minas. Além de estância de água mineral sulfurosa quente (45ºC), destaca-se como pólo cultural, turístico, comercial e tecnológico da região que, com as vizinhas Pouso Alegre e Santa Rita do Sapucaí, constituem o chamado “Vale do Silício” brasileiro. Que mania esse pessoal tem de ficar copiando nomes de fora!
Curiosidades
O majestoso Cassino de Lambari, no Sul de Minas Gerais, funcionou apenas uma noite (24/04/1911). Durante a festa de inauguração, o prefeito brigou com o governador por questões de arrendamento da água mineral e o cassino não abriu mais. O magnífico palácio que compõe a paisagem européia à beira do lago Guanabara estava precariamente conservado e sem utilização efetiva, Agora funciona o hotel.
– o Quitandinha devia ser construído na Praia Vermelha, mas como o Exército – poderoso vizinho – não aprovou a idéia, o prédio foi levantado em Petrópolis, onde Joaquim Rolla também tinha interesses;
– o nome “efeito Urca” foi dado a uma descoberta da física mundial (perda de neutrinos na formação das estrelas) por um cientista russo, em referência a sua esposa, que perdeu uma pequena fortuna jogando na Urca carioca, nos anos 1940;
– o Cassino da Urca mineiro foi construído em tempo recorde (148 dias) pelos engenheiros Richter & Lotufo e inaugurado em 31 de dezembro de 1942. Hoje é um importante e ativo centro cultural;
– Joaquim Rolla teve um fim inusitado: jogou peteca (esporte popular entre os mineiros) na praia durante uma manhã inteira de sol forte, até sucumbir. Careca e sem usar chapéu, ele “cozinhou os miolos” (insolação) como se dizia à época;
– o presidente Getúlio Vargas era freqüentador assíduo de Poços de Caldas no auge da jogatina, a ponto de possuir uma suíte exclusiva no Grande Hotel com a mesma decoração que ele usava no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro.
(fontes principais: “A Indústria do Entretenimento”, de Luis Nassif, e “Poços, Cassinos e Bons Tempos”, de Roberto Tereziano)
Para explicar o nome URCA alguns historiadores recorreram a fontes históricas e encontraram que URCA era o nome de uma embarcação portuguesa que se parecia com o cassino, com teatro e área de diversões, jogos etc.
Certa vez uma turista carioca me perguntou o porque do nome Urca. Comentei que era filial da Urca do Rio de Janeiro. Ela perguntou sobre o significado da palavra. Citei referencias de escritores de Poços de Caldas, como o próprio Jurandir Ferreira, e a embarcação portuguesa.
Ela me disse que no Rio de Janeiro o local já se chamava URCA antes do cassino. Fui pesquisar a respeito e acabei por descobrir que a empresa imobiliária que fez o aterro para criar o bairro chamava-se “Urbanizações Carioca” Foi de tal nome que nasceu a sigla UR-CA. Depois se construiu o cassino no bairro que se tornou o cassino da URCA. Simples assim. (RT)