Constituição Cidadã de 1988 completa 35 anos com avanços e novos desafios
“A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança. Que a promulgação seja nosso grito. Mudar para vencer. Muda, Brasil!”. Com essas palavras, o deputado federal e então presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, promulgou há 35 anos, em 5 de outubro de 1988, a nova Constituição brasileira, conhecida como a Constituição Cidadã. A nova Carta se tornou o símbolo da redemocratização do país após décadas de governo militar e trouxe importantes conquistas para a sociedade civil. Além de assegurar a liberdade de pensamento, a Constituição garantiu direitos sociais em áreas como educação, inclusão e saúde.
Na opinião de juristas e magistrados, os avanços conquistados ainda enfrentam desafios. O principal é colocar o texto constitucional efetivamente em prática e trabalhar para que seja sempre aperfeiçoado, fortalecendo o Estado Democrático de Direito.
Direitos individuais
“A Constituição de 1988 é marco na história republicana do Brasil. Pela primeira vez, o Estado olhou para os direitos sociais e individuais do cidadão, colocando-os na Carta Magna. Nesse sentido, foi uma Constituição revolucionária, ao introduzir a cidadania no centro das políticas públicas brasileiras. Por isso, é dever do Judiciário fiscalizar e manter o ‘espírito cidadão’ que norteou o trabalho da Assembleia Nacional Constituinte”, diz o presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, desembargador José Arthur de Carvalho Pereira Filho.
A desembargadora Lílian Maciel Santos, superintendente adjunta da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef), integrante da 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e professora de Direito Constitucional, afirma que a atual Constituição trouxe muitos avanços, sobretudo em relação aos direitos individuais.
“Na Constituição de 1967, alvo de emenda em 1969, os direitos e garantias individuais eram citados somente a partir do Artigo 153. Na Carta de 1988, eles praticamente inauguram o documento, listados já no Artigo 5º. Essa mudança de localização é significativa e simbólica para mostrar a importância que esse tema passa a ter”, afirma.
A magistrada explica que a Constituição de 1988 significou a completa ruptura com o ordenamento constitucional anterior, que se mostrava incompatível com o momento vivenciado pela sociedade brasileira, que era de reabertura para a democracia.
“As forças sociais, políticas e econômicas em atuação um pouco antes de 1988 entraram em conflito com o modelo vigente, gerando um choque que resultou na busca por um outro modelo constitucional. O documento inaugurou algo totalmente novo em nosso sistema jurídico”, diz.
Para ela, houve uma horizontalização dos direitos individuais. “A Carta Magna é um documento político e também jurídico. Nela, estão as principais normas que regulamentam as relações entre o Estado e os indivíduos, e dos indivíduos entre si. Ela é um ato normativo que está, hierarquicamente, acima de todos os demais e que precisa ser respeitada por todo o sistema infraconstitucional. É isso que a torna tão importante.”
A desembargadora afirma que a inclusão de direitos sociais, que sequer existe em constituições de muitos países, é um dos motivos a serem celebrados nesses 35 anos de vigência do documento. “Os benefícios de caráter social são pontos muito relevantes na atual Constituição. Eles são concedidos àqueles que nunca tiveram condições de contribuir para o sistema previdenciário. Ou seja, mesmo pessoas que não têm qualquer tipo de renda estão amparadas. Isso não existia antes, e é fundamental em um país como o nosso, onde as desigualdades são muito grandes”, diz.
Autonomia
A magistrada também cita a estruturação do Sistema Único de Saúde (SUS) como uma das conquistas mais relevantes da Carta. “O sistema de saúde não existia da forma como está organizado hoje, repartindo as competências entre municípios, estados e União. Hoje, o SUS é elogiado mundialmente. Essa organização da área de saúde foi determinada na Constituição e, posteriormente, passou por regulamentação”, afirma.
Outro destaque, na visão da desembargadora, foi a autonomia concedida ao Ministério Público (MP) e, anos depois, à Defensoria Pública (DP), importantes instituições para o funcionamento do sistema de Justiça. “O MP deixou de ser atrelado ao Executivo do ponto de vista orçamentário, o que era totalmente incompatível com as atribuições que recebeu. Como o MP cobraria determinadas condutas de agentes públicos sem essa independência?”, diz.
A magistrada explica ainda que as duas instituições – MP e DP – trouxeram esse olhar mais voltado para o cidadão, tão presente na Constituição de 1988, para o sistema de Justiça. Com isso, idosos, crianças e segmentos mais vulneráveis passaram a contar com atuação em defesa dos seus direitos.
Reflexão
Para o desembargador aposentado do TJMG e mestre em Direito Constitucional, Edgard Penna Amorim, os 35 anos da Constituição é um momento de reafirmação do Estado Democrático de Direito. “Esse ainda é o grande objetivo da sociedade. E é importante destacar que o forte processo de participação popular na Constituinte legitimou o trabalho dos parlamentares”, frisa. Ele lembra, contudo, que a Carta e a interpretação das leis deve acompanhar a evolução social. “O Brasil mudou. E essa mudança afeta inevitavelmente parte da Constituição”, diz.
O professor, doutor em Direito Constitucional e ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), André Ramos Tavares, concorda com o jurista mineiro, mas observa que qualquer alteração na Carta deve ser feita, quando necessária, com extremo cuidado. “A Constituição não é uma composição aleatória de dispositivos sobre matérias distintas. Existe uma conexão entre todos os temas da Carta, que tem, como eixo central, a transformação da realidade social brasileira. O que precisamos hoje é acelerar os mecanismos de cumprimento das normas constitucionais”, afirma.
O professor Márcio Luís de Oliveira, do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito da UFMG, segue a mesma linha. “Saímos de um regime autoritário para um regime democrático, que trouxe maior possibilidade de participação das pessoas e de pluralidade de identidades, de posições e compreensões de mundo. Essa participação também ocorreu do ponto de vista institucional, com a possibilidade de atuação de diversos entes, como o Congresso, o Ministério Público, o Poder Judiciário e tantos outros”, diz.
O professor concorda que o viés social foi um avanço importante na Constituição porque, até então, a preocupação com as questões sociais só havia acontecido de forma isolada em governos anteriores. Ele afirma que as proteções sociais previstas na Carta Magna garantiram melhorias nos sistemas de saúde e educação, no acesso aos serviços públicos e para os consumidores, dentre outros. “A Constituição de 1988 consegue afirmar a pluralidade e a diversidade e, ao mesmo tempo, torna obrigatória a implementação de certos direitos que são de amplitude social”, afirma.
Essa implementação obrigatória de direitos, explica a desembargadora Lílian Maciel Santos, é decorrente da força normativa do documento, que impõe uma atuação ativa do administrador público. “A Constituição não tem apenas função política. A implementação desses direitos não pode ser feita ‘quando der’. O que foi previsto na lei precisa ser cumprido”, diz.
O professor Márcio Luís de Oliveira pontua que o Estado é o grande prestador de serviços e um oferecedor de bens à sociedade. “Nem tudo estará na Constituição. Ela vai estabelecer diretrizes gerais e uma listagem de direitos fundamentais, reconhecidos no documento, que obrigam os agentes e as instituições do Estado, com a sociedade civil e a iniciativa privada, a implantar esses direitos. Isso vai ocorrendo ao longo do tempo. E, com o tempo, esses direitos vão sendo atualizados e vão exigindo novas atualizações para garantir a efetividade do que a Constituição previu”, frisa.
Amadurecimento
A desembargadora Lílian Maciel afirma que o poder de reforma, por meio das emendas constitucionais, também integra esse processo de amadurecimento. “Queremos uma Constituição estável, mas não temos como ser regidos por uma legislação de 35 anos atrás, que não passe pelas atualizações necessárias. Com as mudanças na sociedade, é necessário aprimorar os sistemas previdenciário e tributário, o que vem sendo discutido. São alterações pontuais, que garantem a sobrevivência da legislação. Isso é próprio do nosso modelo”, diz.
Já no caso das modificações necessárias à medida que a sociedade evolui, o professor Márcio Luís afirma que é preciso criar espaços para pensar e planejar. “A Constituição trouxe oportunidades para o planejamento, mas esse é um ponto fraco no nosso país. Por exemplo, a Carta Magna tem uma parte específica sobre os idosos, mas ela não estabelece como vamos protegê-los. Não basta apenas criar um Estatuto do Idoso. É preciso adotar políticas públicas que preparem a sociedade para o envelhecimento. Ocorre que as instituições brasileiras, de forma geral, têm dificuldades com planejamentos de longo prazo”, afirma.
Nesse cenário, o papel do Judiciário ganhou ainda mais relevância. “Toda vez que houver uma omissão na implementação das políticas públicas pelo Executivo e pelo Legislativo, será o Judiciário que precisará atuar. A Constituição trouxe direitos sociais que não podem ficar só no papel. Se não for dada concretude a eles, o Judiciário precisará agir”, frisa a desembargadora Lílian Maciel.
Para ela, apesar dos desafios, há motivos para celebrar. “A Constituição de 1988 já é a constituição brasileira que está há mais tempo em vigor na era republicana. Isso é muito bom, porque reflete a estabilidade do próprio país”, diz.
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Fonte: Tribunal de Justiça de MG