Manoel Antônio Vicente Azevedo Franceschini (1)
O celular toca. Era uma chamada do Pálace Hotel de Poços de Caldas. Aliás, é normal que alguns hotéis liguem de vez em quando porque algum hospede está com dúvidas históricas sobre a cidade e, sempre que possível, buscamos solve-las imediatamente. Quando não temos a resposta de imediato, nos compromissamos em consultar nossos guardados para enviar posteriormente a resposta.
Atendemos com prazer, até porque, diferente de outros estabelecimentos históricos, o Pálace, mesmo sendo administrado por iniciativa privada, não fechou suas portas para os visitantes, e estudantes ou turistas. Sempre temos encontrado as portas abertas, a través da administradora ou dos gerentes, para mostrar a parte histórica, conjuntos tombados como patrimônio, exemplo, a suíte do ex-presidente Getúlio Vargas, o jardim Toscano ou a bela escultura “La prima rosa” do não menos esplendido jardim de inverno.
Aliás, tal escultura foi, durante muito tempo, confundida como sendo do celebre Botticelli, autor dentre outras obras primas, da obra mais copiada do mundo, As três graças. Nossa escultura nada fica a dever, mas é de Botinelli.
Desta vez era um hospede octogenário e sua esposa que queriam informações sobre o monumento da Praça Pedro Sanches, o índio Cataguas de braços abertos que popularmente é chamado de peladão, embora os nomes sejam “Salut Et Vita” ou “Minas ao Brasil”.
Ele, Dr. Manuel Antônio Vicente de Azevedo Franceschini, da justiça estadual de São Paulo, mas juntamente com sua esposa, que ele tratava carinhosamente como “Vozinha”, amantes da música e da literatura.
Ele, de tradicional família de músicos italianos radicados em São Paulo, mas que se espalharam por toda região, chegando até mesmo em Poços de Caldas.
Ela, uma grande conhecedora de literatura brasileira, apaixonada por Castro Alves, tendo mesmo na memória os principais poemas do poeta baiano, mesmo os longos poemas como Laços de Fita, ou o soneto A Cruz da Estrada. Eu com trechos de Vozes D”Africa ou O Navío Negreiro.
Durante os quase quinze dias que passaram em Poços de Caldas, nossas tardes eram maravilhosas. Verdadeiro sarau com apenas três pessoas. Falava-se de história, declamações, ou ele, mesmo já reclamando das mãos, tremulas pela idade, sentava-se ao piano e tocava.
Depois, ao cair da tarde, na mesa do café do Pálace, o casal contava histórias da vida.
Dr. Manoel Antônio era filho do músico italiano Fúrio Franceschini, o último mestre de capela de São Paulo.
Em novembro de 1904,Fúrio chegou ao Rio de Janeiro por sua atividade profissional como mestre de coros de ópera, tendo permanecido nessa cidade até 1906, Fúrio chegou ao Rio de Janeiro, vindo da Itália com uma orquestra, mas o contrato seria assinado no Brasil, fazia parte das primeiras levas de italianos que decidiram “fazer a América”.
Quando leu os termos do contrato notou que estava superfaturado. Reclamou a irregularidade e teve como resposta que o Papel era apenas formalidade e, que no Brasil os contratos eram assim mesmo.
O italianinho não aceitou a irregularidade e decidiu por retornar para a Itália. Só conseguiu passagem no navio, para dali a vinte dias. Enquanto esperava o dia do embarque, Fúrio Franceschini passava os dias andando pelo Rio até chegar i dia da volta para a Itália.
Certo dia, passando perto de uma igreja, ouviu alguém tocando, ou tentando tocar uma música sacra, cuja composição era de seu professores italiano Filippo Capocci.
Era um sacerdote ao orgão tentando transcrever a música para a partitura, mas não conseguia entender um determinado trecho.
Fúrio, que ouvia o piano sentado em um dos bancos da igreja, se aproximou, pegou voluntariamente a caneta e escreveu corretamente a partitura.
Tornou-se amigo do sacerdote, passou a frequentar a casa da família do padre. Namorou e se casou com a irmã do religioso e, terminou sua história como músico no Brasil.
Permaneceu no Rio de Janeiro até 1906, quando se mudou para Espírito Santo do Pinhal (SP), em razão da enfermidade de sua primeira esposa, Ana Lopes de Araújo. Em 1907, mudou-se para a cidade de São Paulo, onde permaneceria até sua morte, em 1976.
Fez, entretanto, uma série de viagens à Europa, motivado, sobre tudo, por diversos cursos de especialização.
Franceschini assumiu o posto de organista titular e mestre de capela da Sé de São Paulo em 1908.
Sua primeira esposa morre em 1912 e, ele em 1914, ele casou-se com Maria Angelina Vicente de Azevedo, filha do conde José Vicente de Azevedo.
Devotado católico, o conde foi autor de dois temas musicais utilizados por Fúrio Franceschini em sua Missa em honra a Nossa Senhora Aparecida.
. Trata-se dos cantos religiosos populares – ainda hoje ouvidos em missas – “
Viva a Mãe de Deus e nossa sem pecado concebida…
” e “ Senhora Aparecida, guiai a nossa sorte…
Fúrio se tornou o último mestre de capela de São Paulo. Foi ele a origem da família Franceschini no Brasil. O maestro morreu em 1976.
O Romance entre Dr. Manoel Antônio e sua esposa Mirian, começou quando ainda eram adolescentes. Quase oitenta anos já se passaram. Estudavam em um tradicional colégio paulista e foram participar de uma atividade cultural. Ela declamou uma poesia caipira chamada Saudade. Ele tocou piano.
Saudade é uma dor que dói
Mas não é dor de “dói”
É vontade de “alembrar”
É vontade de esquecê
È dor de dente, machuca.
Mas donde dói ninguém vê
E a gente teima e cutuca,
Pra não parar de “doê”
Ele se encantou pela poesia e pela jovem. No dia seguinte, Manoel Antônio havia musicado a poesia e ofereceu a ela. Dalí nasceu o doce romance entre os dois.
Eles haviam se interessado ela escultura porque o nome “Staracce” lhes era familiar. Dona Miriam era amiga da filha do escultor das três belas obras de arte que existem em Poços de Caldas.
O monumento Minas ao Brasil. A escultura Rosas e espinho que está nas Termas Antônio Carlos e, o casal da Fonte dos Amores.
Foi assim que nasceu também uma grande (e breve) amizade entre nós. (continua)