Ministra Cármen Lúcia defende Judiciário como garantidor de direitos
O 1º Encontro Nacional de Comitês Judiciais de Atenção às Pessoas em Situação de Rua, realizado pela Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef) e pelo Núcleo de Voluntariado do TJMG/Comitê Pop Rua/Jus, foi encerrado na tarde desta sexta-feira (27/10) com conferência magna da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre o tema “O Judiciário como Garantidor dos Direitos das Pessoas em Situação de Rua e suas Interseccionalidades”.
De acordo com o corregedor-geral de Justiça de Minas Gerais, desembargador Luiz Carlos Corrêa Junior, que falou em nome do TJMG, a presença da magistrada fechou “com chave de ouro, conforme a expressão popular”, uma jornada produtiva de debates e reflexões em torno de um tema de enorme importância.
“A ministra Cármen Lúcia é uma referência para todos nós, magistrados, em especial os mineiros, que nos orgulhamos de sua trajetória. Foi uma grande honra sediar este evento, o primeiro em âmbito nacional, pelo qual o Poder Judiciário de Minas confirma sua posição de vanguarda entre as cortes de Justiça do país”, disse.
O 2º vice-presidente do TJMG, desembargador Renato Dresch, reiterou a honra da instituição em receber a ministra, destacando que a sensibilidade das autoridades é imprescindível para a construção de uma sociedade mais justa e solidária. “Suas palavras são muito importantes para dar um alento a todos, e sobretudo para chamar a atenção dos julgadores para se sensibilizar com o tema”, ressaltou.
A superintendente do Núcleo de Voluntariado do TJMG e presidente do Comitê Pop Rua/Jus, desembargadora Maria Luíza de Marilac, falou de sua satisfação com os resultados do 1º Encontro Nacional de Comitês Judiciais de Atenção às Pessoas em Situação de Rua, e do generoso apoio dado à iniciativa pelo presidente do TJMG, desembargador José Arthur de Carvalho Pereira Filho, pelo 2º vice-presidente e pelo corregedor-geral de Justiça. “Recebam os sinceros agradecimentos de todos os integrantes do Comitê Pop Rua/Jus, que estendo à ministra Cármen Lúcia, a todos os expositores e debatedores que nos brindaram com seus conhecimentos, e a todos que participaram presencial ou remotamente deste evento, bem como à equipe da Ejef, importantes construtoras deste encontro, aos colegas do comitê, à Assessoria de Comunicação do Fórum, à Diretoria Executiva de Comunicação, a todos os envolvidos”, disse.
“Percorremos um belo caminho, num encontro de pessoas que comungam de um mesmo propósito de fazer da nossa sociedade um lugar onde cultivar a paz, a solidariedade, a fraternidade, a inclusão. O compartilhamento de experiências também nos permitiu interagir e estreitar laços de trabalho e convivência, tão necessários para a formação, o desenvolvimento e aprimoramento constante do Poder Judiciário”, destacou a magistrada.
A mesa de honra foi composta pela ministra Cármen Lúcia, pelo corregedor-geral de Justiça de Minas Gerais, desembargador Luiz Carlos de Azevedo Corrêa Junior; pelo 2º vice-presidente do TJMG e superintendente da Ejef, desembargador Renato Dresch; pela desembargadora Maria Luíza de Marilac, presidente do Comitê Pop Rua/Jus e superintendente do Núcleo de Voluntariado do TJMG (NV-TJMG); pelo diretor do Foro de Belo Horizonte e integrante do Núcleo de Voluntariado do TJMG, Sérgio Henrique Cordeiro Caldas Fernandes; pela juíza auxiliar da Presidência do CNJ Fabiane Pieruccini; pelo subcorregedor-geral de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, procurador de justiça Mário Drummond da Rocha; pela defensora pública Júnia Roman Carvalho, representando a Defensoria Pública de Minas Gerais; pelo professor André Luiz Freitas Dias, coordenador do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua e integrante do Comitê Nacional PopRuaJud do Conselho Nacional de Justiça (CNJ); a diretora-geral do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MG), Cassiana Lopes Viana, representando o presidente do órgão, desembargador Octavio Augusto De Nigris Boccalini; e a Irmã Cristina Bove, representando a Pastoral Nacional da População de Rua.
Palestra
A ministra Cármen Lúcia dividiu sua exposição em três momentos: um panorama da visão do Judiciário sobre o problema das pessoas em situação de rua; uma apresentação dos princípios constitucionais que vêm sendo descumpridos ao longo dos séculos e que permitem a manutenção do estado de coisas atual; e o papel do Judiciário diante da questão e a necessidade de uma atuação concreta neste cenário.
Segundo a ministra, a existência de um contingente tão numeroso de pessoas que não gozam de um dos direitos fundamentais previstos na Constituição Brasileira é uma demonstração da carência de efetividade desses direitos, e um chamado aos julgadores para cuidar desse grupo e se debruçar sobre os problemas que os acometem.
A magistrada salientou que não se trata de seres invisíveis, mas invisibilizados, vítimas de um processo de ocultamento, recusa e silenciamento por parte de seus semelhantes. De acordo com a ministra, as primeiras iniciativas de recenseamento de pessoas em situação de rua ocorreram em Nova Iorque, Paris e Berlim e datam de 2020, quando da pandemia de Covid-19.
A palestrante citou normativas e recomendações da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que buscavam, principalmente, sensibilizar atores do sistema judicial — magistrados, promotores, defensores públicos, advogados, servidores dos diversos órgãos envolvidos — para considerar as circunstâncias que levam as pessoas em situação de rua a cometer delitos, para não incorrer em injustiças.
Ela ponderou que a formação tradicional dos profissionais do Direito não ensina a ir além do processo, mas fatores como a desagregação das famílias, fragilidades pessoais e a sujeição ao isolamento, à solidão e à violência, aliados a crises humanitárias desencadeadas por guerras, epidemias e desastres, concorrem para levar as pessoas a praticarem atos que formalmente constituem ilícitos.
A arquitetura hostil, que constrói cidades pouco acolhedoras e que expulsam de seus espaços públicos as pessoas em situação de rua, são, para a ministra Cármen Lúcia, aspectos contemporâneos do que denominou de “agudização da perversidade em relação ao outro”.
Princípios constitucionais descumpridos
Segundo a ministra, a pandemia aumentou o número de pessoas nas ruas, muitas delas pertencentes a camadas hipervulneráveis, como crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiência e com sofrimento mental. O grupo heterogêneo, contudo, inclui refugiados, migrantes e desempregados, a maioria trabalhadores informais, pelos quais, ressalta Cármen Lúcia, é necessário zelar, pois resguardar direitos fundamentais é uma das obrigações do Poder Judiciário.
A ministra Cármen Lúcia ressaltou que o núcleo prioritário da Constituição Brasileira, “nossa lei primordial e o fundamento de todas as outras”, é o ser humano e a preservação de sua dignidade. De acordo com ela, uma coletividade indiferente ao sofrimento do ser humano se desumaniza e se torna indigna, sobretudo porque o texto constitucional preconiza uma “sociedade livre, justa e solidária”.
Entre os direitos assegurados pela Carta Magna estão moradia, alimentação, educação e saúde, correspondentes ao chamado “mínimo existencial”. Como tais garantias estão longe de ser materializadas para todos, muitas vezes os juízes são chamados a determinar que os demais poderes ajam para sanar essa realidade e elaborem e planejem políticas públicas.
De acordo com a ministra, tais decisões têm sido alvo de críticas ao “ativismo judicial” e recebem como resposta o princípio da “reserva do possível”, pela qual os entes públicos justificam os limites no cumprimento de seus deveres. A magistrada argumenta, todavia, que o juiz deve fazer valer a Constituição e que o Estado existe para as pessoas, e não o contrário.
Linhas de atuação
A palestrante destacou que a Resolução CNJ 425/2021, que institui a Política Nacional de Atenção às Pessoas em Situação de Rua e suas Interseccionalidades, exigiu toda uma reformulação do Poder Judiciário para dar acesso à Justiça e mudar a maneira de lidar com as pessoas em situação de rua, cujas demandas ultrapassam a mera necessidade de uma casa.
Para a ministra Cármen Lúcia, o Judiciário deve dialogar com o sistema de Justiça e os demais poderes e abraçar uma postura propositiva que “forme, informe e transforme”, saindo de um direito binário, em que uma parte ganha e a outra perde, para um modelo de formação de consensos, com foco na pacificação.
Ela alertou para a necessidade de lutar contra o individualismo. “O outro não deve nos causar medo. O outro é sempre um irmão”, pontuou. A ministra Cármen Lúcia finalizou reafirmando que “o Judiciário, hoje, sabe que tem um dever humanitário” e defendendo que cultivar o direito com o foco na humanidade é fonte de esperança, apesar das adversidades e dos desafios.
Veja a íntegra da palestra.
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Fonte: Tribunal de Justiça de MG