Mostra Portinari Raros, em Brasília, apresenta misturas do gênio
As tintas que iluminaram os pincéis de Candido Portinari (1903 – 1962) misturam-se entre a Brodowski (SP), em que nasceu, e o mundo. Entre a denúncia e a ternura. Entre o figurativo e o surreal. Cores de passado e de olhares à frente do tempo. Entre as sacas de café e a enxada nas mãos do homem negro. Entre o afeto ao país à revolta contra as injustiças. Entre o alerta sobre guerras ao desejo de paz.
Na exposição Portinari Raro, que estreou na última semana no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, com entrada gratuita, mais de 200 obras menos conhecidas ou até desconhecidas do grande público revelam a genialidade do artista de múltiplas tintas inconformadas.
“Os grandes temas são sociais, mas também há aspectos da infância, do trabalho no campo e na cidade, os tipos populares, as festas, o folclore, a fauna, a flora e a paisagem”, explica o professor João Candido Portinari, filho do artista e responsável pelo Projeto Portinari, que tem a missão de democratizar o acesso à arte plural do pai.
Desde o começo
Na exposição em Brasília, que tem curadoria de Marcello Dantas, há obras de diferentes fases da vida de Portinari, como a raríssima Baile na Roça, produzida em 1923, quando o artista tinha apenas 20 anos de idade. É a primeira com temática nacional. Segundo o filho do artista, como o quadro não foi bem aceito na época na Escola de Belas Artes, Portinari, decepcionado, vendeu a obra e nunca mais conseguiu encontrar. “Ele passou a vida inteira buscando recuperar o quatro. Morreu sem a emoção de encontrar a sua tela de juventude”.
O Projeto Portinari a localizou no início dos anos 80. A obra está pela primeira vez em Brasília. O quadro homenageia familiares e amigos de Brodowski. Ainda sem as mesmas tintas que o deixariam célebre.
A formação pessoal e os ideais nasceriam juntos das dificuldades de pais imigrantes pobres da Itália. Eles recomeçaram a vida na lavoura de café. Foi lá que o artista descobriu a necessidade de se expressar com tintas e palavras. “Portinari nasceu numa condição difícil. Ele só conseguiu estudar até a terceira série. Ele não pôde continuar porque tinha que ajudar os 11 irmãos e os pais na colheita do café”, diz o filho pesquisador.
A história da família em Brodowski tem espaço na exposição e ajuda a entender as origens do pensamento do artista, de sotaque caipira e perspicaz. “Portinari tinha 11 anos de idade quando fez um desenho do maestro Carlos Gomes, copiado de um maço de cigarro que existia antigamente”. Os amigos da cidade ficaram abismados com o talento do garoto criativo. Tanto que se tornou um ilustrador naqueles primeiros anos de arte.
“Curiosidade imensa”
O professor explica que Portinari revelou em suas obras curiosidade enorme sobre ciência e tecnologia diante da efervescência cultural das primeiras décadas do século 20. “Ele passou a usar elementos matemáticos na obra dele”, o que incluiu as proporções e os estudos cromáticos. “Portinari tinha uma curiosidade imensa em saber como os outros artistas pintavam”.
A ternura de rememorar a infância, como na obra Jangada e Carcaça (de 1940), que está entre as disponíveis na mostra, mostra um Portinari menos conhecido. “Uma vez, depois de uma palestra em uma escola, uma garotinha levantou o dedo e disse que o que ela mais havia gostado é que, no tempo de Portinari, as crianças brincavam à noite”. Tocou a criança, assim como emociona o filho em Roda infantil. “É a obra que eu mais gosto dessa fase”. Outro trabalho que o marca é Meninos com Balões (1951). “Imagine emocionar-se pela infância aos 84 anos de idade, como eu”. Outra obra que se refere à infância é Menino com Gaiola (1961), momento em que o filho recorda que o pai estaria em um momento de depressão.
Mudanças de pincéis
O pesquisador entende que diferentes elementos destacam o valor da natureza para a obra dele, inclusive com características tropicalistas. “Sempre tem a paixão pelo Brasil, pelo brasileiro, pelos animais”, afirma. Um exemplo está em Flora e Fauna Brasileiras (de 1934).
Aliás, para o pesquisador, os anos de 1930 são chave para entender uma mudança de temática: o olhar passa a ser social, quando passa a pintar famílias de retirantes e exploração. A mostra ainda traz esboços e painéis, com estudos de obras clássicas dele.
Já os anos 1940 são, de acordo com o filho-pesquisador, muito produtivos, ora pela denúncia sobre a 2ª Guerra Mundial, em que ele chamava a atenção para o nazismo, como na obra Gráfica (1942), ora pelas obras de outra matriz ou sobre o meio ambiente ameaçado, como em Balé Iara “Para absorver tudo o que há na exposição, é preciso mais do que uma visita”, avalia.
Imersão
Espaços interativos na mostra garantem fruição dos sentidos, como no espaço Portinari Imenso, que está no pavilhão de vidro, com projeção de pinturas e trilha sonora original de autoria de Cacá Machado. Os bancos improvisados são as sacas de café, e o público fica imerso no pensamento do artista que nasceu há 120 anos.
Outra celebração agendada é que os históricos painéis gigantes de Guerra e Paz, que estão na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), devem ser levados temporariamente para o Museu Nacional da China no ano que vem, como celebração dos 50 anos das relações diplomáticas entre o Brasil e aquele país.
Esse será mais um momento de alegria para o professor João Candido Portinari, na missão de garantir espaço para a genialidade do pai por todo o mundo. “Quando eu era criança, perguntava para a minha mãe se meu pai não trabalhava como os outros. Sempre o via pintando e não entendia”. Só depois foi compreender a “imensidão” do homem-artista. Hoje, o maior objetivo é mostrar às crianças. O projeto disponibiliza 5,4 mil imagens e 30 mil documentos que ajudam a explicar quem é Portinari. Não para de recolher nem de democratizar o acesso. O professor procura entender o artista, e o filho vibra a cada encontro com o pai.
Fonte: EBC GERAL