TREM (2) Ludgero Borges
Numa cidade interiorana, onde o povo não tem pressa, as novidades são sempre bem vindas .Nas turísticas então nem se fala. A chegada de trem com veranistas é um atrativo como a chegada de um circo de cavalinhos, uma feira de diversões, uma tourada, movimento de quitação como um grupo de cossacos russos o acontecia de vez em quando, era expectativa de mais ouro e novidades para os citadinos. Comitivas de rinhas de galos de briga, vinham de outras cidades para desafiar galistas fanáticos desta região, onde apostas eram abertas ao público que adoravam misturar o vermelho de sangue com o amarelo do ouro, numa selvagem e desumana competição de brigas que ao nosso ver, deveria acontecer entre os galistas e não com suas aves que ficavam cégas de ódio e morriam nas arenas a que se chamava de rinhas e rebolos.
Poços de Caldas em especial, é simplesmente uma delas. Distinguida que foi pela Mãe Natureza que a dotou com salubérrimo clima, águas minerais de 5 espécies para a recuperação de saúde, relaxante , de vastos jardins naturais, bandos e bandos de pássaros canoros e de vestimenta dignas das aves do paraíso, bandos de animais selvagens como a onça suçuarana, onça pintada, catetos, porcos do mato, cobras, tatús, pacas, cotias também, antas, veados –no bom sentido da palavra, Caçadores se hospedavam em hotéis já conhecidos e ajustavam guias para este lazer. Entre visitantes chegavam também profissionais do jogo de azar, alguns acompanhados de elegantes damas que se envolviam com os ricaços passantes ou dirigentes das casas de jogo que além dos pontos oficiais, alguns hotéis mantinham carteados.
Chegava a ser curioso; como aquele zum zum de gente, o falatório em toda a praça da Estação, em 2 minutos baixavam para quase zero e os movimentos mudavam radicalmente de rumo, com o sinal da aproximação de Trem. Agora era a entrada do P 2 na Estação dentro de 2 ou 3 minutos. Primeiro, a obrigação só depois a diversão; cada um procurava seu ponto estratégico para atacar. Motoristas ficavam em pé ao lado do taxi para ser notado pelos despachantes -carroceiros- que iriam brotar da estação carregados e bagagens, charretistas também em pé dentro dos seus veículos de um ou 2 cavalos, empunhando o relho numa das mãos e as rédeas na outra e aos gritos chamavam atenção dos auxiliares que por sua vez tentavam encaminhar fregueses para hotéis, pensões, endereços outros , condução, e venda de alguma bobagem. Chegavam a espanar com seus cartões, os rostos dos chegantes e não era raro haver entreveros A torcida de espera do trem, que não estava ligadas aos negócios, simplesmente de aprumavam como que se ajeitando para ser fotografado e voltavam as faces para uma área de vista livre entre o prédio da Estação e a residência deste autor, de uns cem metros lineares, por onde despontaria quase que de repente, um trambolho de ferro alto como uma casa, arrastando atrás de sí uma serie de vagões revestidos de madeira de Lei vermelha-cinzenta ladeados de janelas basculantes de vidros , sempre com uma ou duas figuras expostas com largos sorrisos de quem está chegando para uma festa. 0utro fato simbiótico : nestes dois minutos da entrada do comboio fundiam-se os sorrisos e olhares dos viajantes como que encantados com a torcida de espera, e a própria, como que agradecendo á chegante, como se de parentes e conhecidos com ansiedade Sentíamos, sem saber como, que mataríamos saudades de amigos e parentes e, nem de longe desconfiávamos que aqueles sentimentos se repetiam todos os dias ! Que mistério é esse de amar o próximo como a si mesmo ? porque sentíamos prazer com a chegada do Trem ? Será que outros povos, outras gentes sentem coisa parecida ao receber no seu meio, figuras nunca antes vista. Será esse mais um presente na Natureza ? Vejamos como é a Estação da Mogiana, por dentro;
Adentrando o prédio pela porta principal, deparamos com uma sala ladrilhada, de uns 100 metros quadrados com o pé direito de uns seis contendo 2 bancos de madeira e ferro numa das paredes e uma grande porta de grade de ferro trabalhado, com 4 X 4 metros, com duas folhas de correr que dava passagem para a plataforma geral, interna da construção. Era a sala de Recepção, que no fundo dela, á esquerda, havia uma escada feita de madeira, de forma circular, fechadas até um metro dos degraus, vermelho escuro e bem envernizada, que nos leva até a residência do chefe de tráfego que ocupa a parte superior do prédio -anos mais tarde foi construída uma casa maior, no terreno da Cia e esta cujo terraço externo foi demolido, ficou para outro funcionário – Ainda na sala de Recepção, na parede direita havia duas boquetas -uma espécie de janelinha sendo a 1ª da esquerda, destinada a venda de bilhetes de viagem, tíquetes de visitantes, troca de passagens e a da direita, para despachar telegramas via código Morse, ajustar pagamento de mercadoria despachada com o cliente e tratar de outros assuntos com a chefia – Transpondo a porta interna deparamos com a plataforma de 3 metros de largura , ladrilhada e em toda o comprimento do prédio que possui uns 50 ou 60 metros , rente da qual está o par de trilhos em linha reta num plano mais baixo, de uns 60 cm que serve para a chegada e partida dos comboios . Para o lado esquerdo de quem travessa a porta de ferro, a uns l0 metros termina a alvenaria da Estação e uma vasta sala devassada dos 3 lados, dotada de bancos de espera, coberta com telhas próprias apoiada em entre liça de ferro e apoiada em elegantes colunas de ferro usinado , tornando-se confortável sala de espera que possui uma bem trabalhada grade de ferro separando o povo da Praça com o interior da Estação e que só é aberta após a chegada do Trem. Á 20 metros no final desta sala, levanta-se novamente uma construção de 4 paredes para abrigar dois lavabos duplos, sendo um felisbino que recebe também o apelido de vicentina e ou latrina e até sala de meditação. Ligado a este, do outro lado, é o mictório dos marmanjos. Tudo muito limpo, com água corrente, espelhos , caixas d’água com descargas automáticas com tempo entre 5 minutos e 5 horas. Por este lado -direção ao centro da cidade -, o terreno ainda continua mas em forma de um bem cuidado jardim que o separa do público por uma cerca viva, terminando com a garagem da Cia.Mogiana de Transporte Rodoviário, quase na esquina do palacete Conde Prates. Estamos no pátio plano da Mogiana desde a garagem até a passagem de nível da Avenida da Saudade, numa calha de terra que por uns 500 metros é plana, com vários pares de trilhos para manobras, Casa de Máquinas, caixa d’água, residências de funcionários e, principalmente do complexo Estação de embarques de humanos, encomendas , animais, cargas e outros bichos. Este plano fica em nível mais baixo ,que a plataforma e , da Av. Saudade rumo a Estação, até a Chave de entrada. A linha e beira linha é da Cia. Mogiana exclusivamente. Neste pedaço entre a beira linha e a Av. João Pinheiro tem uma serie de casas particulares. (continua)