Colaboraboradores convidados

Uma funcionalidade do trabalho – A LIMPEZA

                                                                                      Por Ernani Pasculli Filho*

 

servicos

Ao começar mais um dia de trabalho, abro a porta da barbearia, corro um olhar geral no ambiente conferindo a ordem. Basicamente as coisas estão ao meu agrado. Ligo o rádio sintonizando na estação ao programa de horário predileto. Confiro os utensílios sobre o aparador, olho pelo espelho repassando o visual, tudo está perfeito. Gestos que repito diariamente, parecendo sintomas de TOC – (Transtorno Obsessivo Compulsivo), principalmente o emparelhamento das ferramentas: tesouras, escovas, pentes, navalhete, e outros. Entretanto, tal organização me dá segurança para o meu equilíbrio a mais um dia de trabalho no cotidiano. Inclusive, meu preparo pra equacionar imprevistos rotineiros.

Se acaso tem algum cliente à espera, cumprimento-o, e o convido para entrar, em seguida inicio o atendimento, junto dos rituais, porém mais ágil, partindo para o objetivo da tonsura desejada.

Acaso abro a porta e ainda não tem ninguém, quem fica à espera dos visitantes diários sou eu. Após o olhar no espelho repasso meu visual conferindo a barba e uma penteada no cabelo. Uma leitura dinâmica nos periódicos por um olhar superficial, mantendo-os organizados. Então no aquecimento inicio algumas tímidas varridas, seja uma poeirinha pelos cantos, seja algum inseto morimbundo preso no teto pelo emaranhado aracnídeo.

E aí as vassouradas daqui e ali me servem de aquecimento e entrada, para iniciar o dia de trabalho, já que um bom ambiente ordenado se baseia na limpeza. Lembro-me do Seu João do Bar, todas as noites ao final de seu expediente, ele ia atendendo os últimos clientes por hora, organizando sua praça, varrendo o excesso, lavando os copos e dizendo: _ “É péssimo chegar no dia seguinte e encontrar o ambiente sujo do dia anterior, parece que começo o dia atrasado”.

Varrendo vou me aquecendo, e vou limpando de dentro pra fora. Quebro o protocolo supersticioso comercial, do qual, a varrida deve ser de fora pra dentro, supondo um gesto simbólico, chamativo ao cliente para o estabelecimento, tal conceito transcendental. Das superstições, recordo ter ouvido o hábito de um antigo barbeiro, seu costume era manter o chão sujo de cabelo repicado constantemente. Uma ocasião ele contratou um jovem barbeiro para seu auxílio, de imediato o jovem pegou a vassoura e iniciou a limpeza. O barbeiro, carregado de vícios, soltou falas disparadas e pungentes: _ “Pára, pára, pára, não retire meu cartão de visita. Pois quando o cliente chega, e encontra o chão sujo, é pra ele pensar que sou bom barbeiro e trabalho bastante”.

Vale lembrar o dito popular e sugestivo: Vassoura nova, que varre melhor!

Continuando as varrições chego até a calçada. Exposto ao público, eu ouço diversas falas em tons cômicos, e até algumas insinuações maldosas com desprezo sócio moral à função do gari. Entre falas marcantes, o cliente chega e me pergunta se vou trabalhar, ou ficar varrendo. Às vezes, fico em silêncio, ou replico com respostas irônicas, típico de um ambiente comercial, onde o espaço está aberto para todo o público. Um grupo de pessoas formado por indivíduos nas devidas equidades, ou seja, nós, humanos, exigimos ser igualmente como todo mundo, um tratamento padronizado. Contudo, queremos ter tratamento diferenciado individualmente, personificado.

Ressalto as falas cotidianas das donas de casa: “Infelizmente, o autêntico reconhecimento da limpeza só aparece, quando não é feita”. Assim, destaco a limpeza de extrema importância social, a doméstica. No âmago domiciliar, o asseio no local mais importante, onde me dá segurança, privacidade e planejamento pra vida.

*O autor é barbeiro e estudante de Ciências Sociais.

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