20 DE AGOSTO, A MAÇONARIA E A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL
Muito se tem escrito no meio maçônico sobre o papel protagonista da Maçonaria na Independência do Brasil. Desde o manifesto que resultou no Dia do Fico, a iniciação de D. Pedro I, ou mesmo sua proclamação como defensor perpétuo e imperador do Brasil1.
Um dos pontos mais questionados na literatura maçônica brasileira sobre o tema está relacionado ao Dia do Maçom, 20 de agosto, o qual será objeto deste estudo. Essa data entrou para o calendário oficial brasileiro como o Dia do Maçom por conta de proposta apresentada em 1957 na CMSB – Confederação da Maçonaria Simbólica do Brasil2, que congrega as 27 Grandes Lojas Estaduais brasileiras, proposta que foi posteriormente apresentada e aprovada no Congresso Nacional e promulgada pelo Presidente da República. Na época, vários municípios e estados já possuíam lei similar, e a Maçonaria brasileira em geral já comemorava seu dia em tal data.
A razão de a Maçonaria ter escolhido o dia 20 de agosto é por conta de Ata de reunião do então Grande Oriente Brazílico, datada do 20º dia do 6º Mês da Verdadeira Luz. Nessa reunião, presidida por Gonçalves Ledo, os maçons presentes teriam aprovado a Independência do Brasil, sobre a qual Dom Pedro seria informado e deveria aderir, tornando-se Imperador, ou voltar para Portugal.
Porém, José Castellani defendeu em suas obras “Os Maçons e a Independência do Brasil”3 e “Do Pó dos Arquivos”4 que o 20º dia do 6o mês da Verdadeira Luz não foi dia 20 de agosto de 1822, erro histórico esse atribuído ao Barão do Rio Branco. Castellani indica como data correta o dia 9 de setembro, ou seja, posterior ao Grito de Independência.
Fato é que em 1822 houve uma reunião maçônica, presidida por Gonçalves Ledo, na qual a Maçonaria posicionou-se a favor da Independência do Brasil. Qual foi o dia dessa reunião? Teria sido antes de 7 de setembro, e esse ato teria influenciado direta ou indiretamente a ação de D. Pedro, às margens do Rio Ipiranga? Ou teria sido depois de 7 de setembro, em nada influenciando o ato do Grito de Independência, em particular? A ata dessa histórica reunião apenas informa que foi no 20º dia do 6º mês do ano de 5.822.
Para desvendar esse mistério, faz-se necessário compreender os calendários maçônicos adotados na época:
Um arcebispo anglicano irlandês, James Ussher, realizou uma série de cálculos no século XVII e determinou que, conforme a Bíblia, o mundo teve origem no ano de 4.004 a.C..5 Seu cálculo dava até hora e data. Quase cem anos depois, James Anderson, acreditando que a Maçonaria deveria marcar os dias de forma própria, diferente dos calendários adotados e ligados a religiões, criou o primeiro Calendário Maçônico. O
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Calendário de Anderson arredondava a criação do mundo para 4.000 a.C., então o ano
maçônico passava a ser a soma do ano comum e 4.000 e era chamado de Anno Lucis.6
No caso da França, pioneira da Maçonaria latina, adotou-se o sistema de anos de
Anderson, com certo “plus”. No Rito Francês ou Moderno, o primeiro dia do ano foi
tido como 1º de março e os meses passaram a ser contados pelo número ordinal7.
Assim, o dia 24 de junho de 1717 na Maçonaria passava a ser 24º dia do 4º mês de
5.717 da Verdadeira Luz. A Maçonaria francesa serviu de modelo quando do
surgimento da Maçonaria em Portugal e no Brasil, as quais herdaram dela o nome
Grande Oriente, além dos ritos, modelo de constituição e outras características.
Considerando o calendário maçônico francês, o 20º dia do 6º mês de 5.822 é exatamente
o dia 20 de agosto de 1822. Nesse caso, a CMSB estaria certa.
Mas na França também houve um costume de muitos Altos Corpos e até Lojas
Simbólicas manterem o acréscimo de 4.000 no ano, sugerido por Anderson, mas usarem
os dias e meses conforme o calendário judaico. Isso se deveu à influência da cultura
judaica nos rituais e ritos maçônicos, além da relevante presença de judeus na
Maçonaria. Tal costume pode ser visto até hoje em muitas Obediências, em que o
calendário judaico, inclusive com o uso dos nomes dos meses em hebraico (Nissan, Elul
etc), é usado em certificados. Considerando esse calendário judaico-maçônico, o 20º dia
do 6º mês de 5822 (ano maçônico) seria o dia 6 de setembro de 1822.
E há também o chamado no Brasil de Calendário Maçônico Gregoriano, defendido por
Castellani como o sistema utilizado nas primeiras atas maçônicas brasileiras, que fixa o
Equinócio Vernal no dia 21 de março, o qual passa a ser o 1º dia do ano. Considerando
esse calendário, o 20º dia do 6º mês de 5822 seria o dia 9 de setembro de 1822.
A teoria de 9 de setembro, defendida por Castellani, em minha opinião esbarrava em
algumas questões. O calendário com início em 21 de março é tido como um calendário
historicamente adotado pelo Rito Adonhiramita, rito esse no qual a Loja “Comércio e
Artes” teria trabalhado inicialmente e, por isso, defendido por Castellani. Porém, os
registros indicam que em 1822 as três Lojas fundadoras do Grande Oriente do Brasil já
trabalhavam no Rito Moderno, oficial no Grande Oriente da França e no Grande Oriente
Lusitano, como o próprio Castellani também evidenciou em sua obra “Fragmentos da
Pedra Bruta”8. Havia então certa contradição. Outro ponto interessante é que o
Calendário com início em 21 de março foi abolido pelo Grande Oriente da França ainda
em 12/10/1774, o que levava à conclusão de que o Grande Oriente Lusitano nunca
chegou a adotá-lo. Se, em 1822, a França e Portugal não mais o utilizavam, o qual
estava em desuso desde 1774, por que o Brasil o teria usado?
Considerando o formato utilizado ao datar a ata da referida reunião, minha conclusão
inicial era de que se tratava do calendário maçônico usual da época nos países latinos,
ou seja, a reunião teria mesmo ocorrido no dia 20 de agosto de 1822, com tempo de
sobra para que a notícia tenha corrido entre os líderes populares e intelectuais da época,
a ponto de provavelmente influenciar José Bonifácio e Dona Leopoldina no teor de suas
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cartas, que alcançaram D. Pedro no dia 7 de setembro de 1822, motivando-o a bradar o
histórico Grito de Independência.
Até aí, cabia o justo questionamento sobre o tema. Porém, ao ter a oportunidade de
realizar um estudo sobre a ata de fundação do Grande Oriente Brasílico, transcrita na
revista “Astréa”9, na edição de Abril de 1928, verifiquei que a teoria de Castellani está
correta. A ata registra a fundação do Grande Oriente Brasílico “aos 28 dias do 3º mez
do anno da Verdadeira Luz de 5.822”. Sabe-se que o Grande Oriente Brasílico foi
fundado no dia 17 de Junho de 1822, próximo ao dia de São João Batista, como de
costume. Um cálculo simples comprova o uso do Calendário Maçônico Gregoriano,
conforme Castellani defendia.
Por sinal, o mesmo número da “Astréa”10 traz outro documento maçônico curioso para a
história da Maçonaria no Brasil, que é a carta-denúncia do Grande Oriente Brasileiro,
fundado em 24 de Junho de 1831 e tendo como Grão-Mestre o Senador Vergueiro,
contra o Grande Oriente Brasílico, reerguido em 23 de Novembro do mesmo ano. Entre
as acusações, o Grande Oriente Brasileiro apontava como irregularidade no
reerguimento do Grande Oriente Brasílico o fato ter sido reerguido com José Bonifácio
como Grão-Mestre, tido na época como inimigo da Maçonaria por conta de, entre outras
coisas, a criação do Apostolado, e não Dom Pedro I, o último Grão-Mestre, ou seu
sucessor legal. Entre as Lojas que apoiavam a denúncia, estava a “Comércio e Artes”,
embrião do primeiro Grande Oriente Brasílico, e a Loja “Educação e Moral”, de
Gonçalves Ledo. Mas isso é história para outra ocasião.
Enfim, voltando à participação maçônica na Independência do Brasil, fato é que, por
conta da precariedade da comunicação na época, que seguia literamente “a cavalo”,
enquanto os maçons cariocas defendiam a independência entre colunas, já havia passado
dois dias do grito de independência de D. Pedro I. Porém, deve-se levar em
consideração que, apesar da referida reunião não ter tido participação direta no ato de
independência em si, ela teve sua importância nos momentos seguintes, decisivos para o
sucesso do Brasil como país independente. Quando da chegada ao Rio, D. Pedro sabia
que estava assumindo um Brasil em que 90% da população era analfabeta, parte da elite
intelectual era republicana, com rivalidade entre províncias, à beira da falência, sem
exército, marinha, armas e munições. O apoio dos irmãos maçons, muitos com certa
influência nas principais províncias, e num momento de tanta fragilidade política e de
perigo iminente, foi, sem dúvida alguma, de suma importância para o novo Imperador.
Todavia, a participação maçônica nesse processo de independência não ficou restrita ao
Rio de Janeiro. Deve-se registrar também que os maçons paulistanos foram os primeiros
a aclamar publicamente o novo Imperador, ainda naquela noite de 7 de Setembro de
1822 11, fato esse muitas vezes esquecido ou ignorado pela literatura maçônica.
De qualquer forma, é importante ressaltar que a análise dos registros acerca da
participação maçônica na Independência do Brasil evidencia que tal participação “não
foi apenas gloriosa, mas visceralmente humanizada, com suas grandezas, ousadias,
fraquezas, contradições, traições e violências”.12 Enfim, que bom que funcionou.
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NOTAS
1 GOMES, L. 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por
dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil, um país que tinha tudo para dar errado. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2010.
2 CMSB. Súmulas das Mesas Redondas, Assembleias e Conferências. Brasília: CMSB, 1997.
3 CASTELLANI, J. Os Maçons e a Independência do Brasil. Londrina: Editora A Trolha, 1993.
4 CASTELLANI, J. Do Pó dos Arquivos. Londrina: Editora A Trolha, 1996.
5 BARR, J. Why the World Was Created in 4004 BC: Archbishop Ussher and Biblical
Chronology. Bulletin of the John Rylands University. 1985, vol. 67, no2, pp. 575-608.
6 MENDOZA, H. Anno Lucis et al. Ars Quatuor Coronatorum. London: Quatuor Coronati
Lodge, Vol. 95, 1980.
7 DAZA, J. C. Diccionario Akal de Francmasonería. Madri: Editora Akal, 1997.
8 CASTELLANI, j. Fragmentos da Pedra Bruta. Londrina: Editora A Trolha, 2003.
9 SUPREMO Conselho do Brasil. Revista Astréa de Estudos Maçônicos. Rio de Janeiro: Editora
Astréa, Ano: II, Nº 04, 1928.
10 Ibidem.
11 GOMES, L. 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por
dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil, um país que tinha tudo para dar errado. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2010.
12 MOREL, M. & SOUZA, F. J. O. O Poder da Maçonaria – A História de uma Sociedade
Secreta no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.