Ah! que saudades que tenho…
*Roberto Tereziano
Qualquer final de semana que se aproximava eu não pensava duas vezes, calçava um chinelo, mochila nas costas, rumo à fazenda. O que hoje é longe, não era nem sequer pensado. Subia pela Rua Assis Figueiredo sentido norte, e pé na estrada. Nem sei como ou com quem aprendi o caminho. Só sei que chegava lá. Normalmente ia pela estrada do Cristo.
Gostava também de andar pela trilha da Fonte dos Amores, mas, por ela teria que subir e descer quase um quilometro a mais para depois descê-lo e retomara o meu caminho.
Também havia outro aspecto interessante e vantajoso, indo pela estrada que ainda era de terra; Poder caminhar olhando as plantas, as arvores gigantescas e quase centenárias. Sempre marcava as que abrigavam orquídeas. Não que eu fosse orquidófilo ou quisera sê-lo. O encantamento era outro.
O caminho nem era sentido e logo estava no ponto mais auto de minha rota. Aqui ele se triplicava em opções. À direita chegaria à Pedra Balão. À esquerda subiria até o monumento ao Cristo. Como não sabia que o Cristo era mais para a esquerda e nem pretendia rezar escolhia sempre o caminho do centro.
Abria uma porteira, passava por um sítio particular. Caminhava atento na esperança de ver uma pessoa conhecida. Sabia que ali morava uma colega de sala de aula, acho que se chamava Aparecida. Mas ela nunca apareceu enquanto minhas passagens pelo sítio dela. Mais algumas porteiras a baixo e já estava na Fazenda Barreiro, caminho inverso de tudo e eu nem sabia que a vida de Poços de Caldas estava tão umbilicalmente ligada àquela fazenda.
A chegada virava festa não só pelo encontro de uma família amiga, mas também pelo final de semana que se seguia. Buscar milho para o monjolo que havia na porta, cair de cavalo meio selvagem na palha de café ou casca de arroz. Colher mangas e outras frutas no pé, leite tirado na hora e outras tarefas ou farras inocentes, boas para crianças como eu.
Ainda existia o escritório da fazenda que foi do Coronel Agostinho Junqueira, a capela, os grandes currais. No escritório um lembrete que como um dístico ficava afixado na parede: “Não falte ao trabalho, pois o patrão pode notar que a sua falta não faz falta.” Tinha até ao fundo da casa onde eu ficava um velho cemitério, talvez de antigos escravos.
Para um menino da cidade tudo era novidade. Eram dois ou três dias de diversão até que a tarde de domingo chegasse. Domingo, passado o almoço chegava a hora de me preparar para a volta e não poderia ser muito tarde pois no caminho outra missão me esperava.
Na mochila já havia um tanto de fubá mimoso moído, quase na hora de voltar, rapadura e mais algumas daquelas guloseimas que se tem em abundancia na roça. Finalmente, pé na estrada.
No caminho de volta duas coisas importantes ainda poderiam acontecer, encontrar alguns turistas esperando alguém que subisse em árvores para colher orquídeas, ou uma carona até o centro da cidade. Na maioria das vezes as duas coisas aconteciam, e das flores colhidas os turistas escolhiam algumas, e as que sobravam, bastava passar pela rua principal da cidade para que pessoas as comprassem. Em tal período a consciência da época não considerava crime colher tais plantas e aquele dinheirinho era sempre bem vindo.
Diria o Velho poeta: “Ah! Que saudades que tenho da aurora da minha vida…”
Valeu Tere
Tereziano é um acervo!!!!
Acho que a saudade das coisas que fazíamos na infância e que nos trazem saudades vem do fato de que vivíamos o momento, por ser crianças, e sem muita preocupação com o futuro, coisa de gente grande. Como diz o livro sagrada, “não andeis ansiosos pelo dia de amanhã.”