CINE TEATRO POLITHEAMA CEM ANOS DEPOIS – 2016
No florescer de Poços de Caldas a cidade viveu em vários aspectos o que a historiografia chama de aceleração do tempo histórico e, com as artes e a cultura não foi diferente. Basta comparar o urbanismo, a arquitetura, enfim, a infra-estrutura do passado para sentir que a cidade teve uma origem bem diferente das demais. Dr. Homero Ottoni, autor de um dos mais importantes livros sobre a origem de Poços de Caldas registra sem mencionar data o teatro Minerva, como o primeiro teatro nos primórdios de nossa cidade. Ainda antes da fundação oficial já vamos encontrar as primeiras marcas de educação com o professor e farmacêutico José Antonio Augusto de Sá, carinhosamente chamado de Mestre Sá, que segundo Mário Mourão, foi o primeiro educador da vila.
A música também vai deixar sua marca por vários momentos e também merecia um espaço próprio, mas, voltando ao teatro, o remoto 1890 marca mais um curioso registro relacionado, pois, naquele ano distante, morre em Poços de Caldas Joaquim Prado Junior, o pai da comédia brasileira. As curiosidades ainda se descortinarão com mais novidades, imagine um sapateiro fugido da Itália e se aportando em Poços de Caldas que dentre outras proezas trazia de memória trechos do mais celebre texto de Dante Alighieri, “A divina comédia, cuja edição histórica e centenária, publicada em idioma original ainda se encontra em poder da família Caponi”.
Já os prédios específicos para teatro é um capítulo a parte. A primeira sugestão de edificação está mais uma vez com outro culto prefeito, David Ottoni, que,quando ainda era intendente da vila, mencionou tal interesse e a idéia foi atendida pelo primeiro fotografo que aqui aportou, pois, consta que em 1903 o fotografo português Manoel Sá Vasconcelos inaugura tal arte na cidade em um espaço para peças teatrais chamado Teatro Odeon Armilla, onde ele e a esposa se apresentavam em pequenas esquetes. Armilla era o nome de uma de suas filhas a qual o fotografo queria homenagear. Só que em 1905 o segundo prefeito de Poços de Caldas, Juscelino Barbosa, deixou em seus menos de dois anos de administração, uma serie de projetos para a cidade, alguns dos quais, se poderia considerar avançados até hoje, dentre tais planos está, a idéia da construção de um teatro de verdade, sonho que se realizaria em março de 1911 através do prefeito Francisco Escobar, alcaide que deixou marca indelével como um dos mais cultos prefeitos da cidade. È oportuno lembrar que ele era tratado por Rui Barbosa pelo apelido de “cabeça de Salomão” tão grande era sua erudição. Fico às vezes imaginando como teriam sido os encontros e debates entre algumas da mais brilhantes mentes que por aqui passaram, Rui Barbosa, Pedro Sanches e Escobar.
Chegando à cidade em 1909, Escobar que já havia sido responsável direto pela publicação do mais importante livro da literatura brasileira, ou seja: Os Sertões, de Euclides da Cunha e, já marca na sua lista de metas como prefeito a construção de um teatro, cassino e cinema o que se efetivaria dois anos mais tarde com a inauguração do Politheama ao lado da prefeitura.
Não há documentos que relatem à escolha do nome nem se foi o primeiro Politheama do Brasil, mas, há espaços culturais em outros países como Portugal e Itália com o mesmo nome e formato multiuso.
A vida social do lugarejo deixa de ter como eixo o Largo Senador Godoy, (hoje Praça Pedro Sanches), pois tudo passa a acontecer na Avenida Francisco Sales, em frente ao Politheama. A inauguração se deu com a companhia de opera Gatini Angelini, com a Geisha, que apresentou as operetas Viúva Alegre, Sonho de Valsa, O vendedor de Pássaros, Sangue Vienense e Sinos de Corneville. A vida cultural da cidade nos lembraria uma Áustria, antes do sionismo. Por ali passaram o grande trágico Ermeto Zaconi, consagrado em Paris, Londres e S. Petersburgo e os maiores dramaturgos do momento, alguns de tal importância que até uma placa de bronze que se encontra no museu Histórico foi impetrada como documento “aqui se apresentou Gustavo Salvini” o maior dramaturgo do seu tempo para textos de Shakespeare e Ibsen. Alem dos grandes espetáculo de Cabaré, com danças e shows que muito influenciaram na cultura da cidade.
Quando da instalação do cinematografo outro nome se destacou, José Pavesi, um habilidoso técnico local que já havia instalado o primeiro cinema da cidade, o Cine Bijou. Tal profissional se mostrou tão familiarizado com tal atividade que chegou a ser convidado por grandes distribuidoras estrangeiras como a própria Paramont, para sair de Poços de Caldas. Pavesi ganhou tanto respeito que conseguiu proezas de lançar filmes famosos em Poços de Caldas antes das grandes cidades como Rio e São Paulo. Foi dele também a criação de um sinal sonoro que anunciava a hora da programação do Politheama para a cidade, e que passou a ser sinal para o comércio encerrar suas atividades. Os primeiros refrigerantes também podiam ser conhecidos no bar do Politheama. Uma propaganda de jornal antigo trás a seguinte informação: “Guaraná, formula do Dr. Luiz Pereira Barreto há um mil reis, só no Politheama”.
O prédio exibia na sua arquitetura riqueza cultural em cada detalhe, nos cantos mais altos do exterior pequenos rostos esculpidos de Carlos Gomes, Sheakespeare e outros grandes do teatro ou da música, talhados pela quase anônima artista local Assumpta Benedetti Bertozi
O teatro internamente era um verdadeiro luxo para a época, com uma ampla platéia alem de frisas, e uma serie de camarotes especiais para acolher a elite. As famílias tradicionais ou autoridades especiais tinham seus espaços reservados. Alem dos grandes espetáculos e filmes de seriados de cowbow. Outros eventos sociais também aconteciam no grande auditório. Até a vinda de um cônsul italiano registrada em película cinematográfica ali aconteceu.
Na calçada em frente, os meninos trocavam gibis, figurinhas ou os adolescentes e jovens faziam o “Footing” um grande corredor aonde moças e rapazes se exibiam elegantemente à procura de um flerte. Muitos romances começaram ali. Foi no politheama também que se exibiu o primeiro grupo teatral de verdade formado em 1922, por moradores da cidade. Amor e Arte era o nome do grupo que tinha com responsáveis e idealizadores, o português José de Matos que influenciou Benigno Gaiga e sua esposa Leonilda Diniz Gaiga para as artes cênicas.
Já para os mais ousados a atração era o cassino e as grandes partidas do pano verde. ”Orbe et urbe” jogo aberto. A sorte estava lançada.
Ao lado do Politheama, seguindo o mesmo estilo arquitetônico foi construído pelos irmãos Piffer o grande hotel, então o mais confortável da cidade e por onde passaram as mais ilustres visitas da época, de artistas a presidentes e governadores.
Tal projeto e execução contavam também com a inteligência de Carlos Faber, discípulo de João Batista Panccini em arquitetura em vários prédios da cidade.
Enfim, todos os prédios ali perfilados tinham a marca do Prefeito Escobar, prefeitura, Politheama, Grande Hotel e o Mercado Municipal, na mais bela Avenida de Poços de Caldas, pois a Avenida Francisco Sales inaugurada pouco antes do Politheama estava na época com suas arvores exibindo suas primeiras e frondosas copas harmonizando o conjunto. Francisco Escobar também inaugurara no mesmo período as primeiras pontes de concreto da cidade na mesma avenida.
As décadas que sucederam fizeram das imediações o ponto mais apoteótico de Poços de Caldas até que outros elegantes jardins e hotéis foram surgindo, novos cassinos, Pálace hotel que mesmo com o seu primeiro prédio inaugurado em 1925 já impressionava pelo tamanho e com a grande reforma e modernização do hotel e construção das novas termas e Pálace Casino, acrescidos dos novos parques e jardins desenhados por Eduardo Pederneiras e executados por Dieberguer a partir de 1927, foram ofuscando o brilho do Politheama, até que em 1949, pouco depois do fechamento nos cassinos no Brasil o espaço foi transformado por Pedro Lúcio em uma grande casa de móveis. O Grande Hotel ainda resistiu por algumas décadas. Na minha adolescência, ele ainda funcionava como tal e tinha uma grande área de diversão com mesas de Ping Pong e as pessoas paravam em frente para ver os turistas jogarem.
Casa Lúcio. Foi assim que conheci o espaço cultural sem nunca pensar que um dia me tornaria ator de teatro e nem mesmo imaginar que assistiria a demolição do prédio. Muitas vezes entrei na loja olhando para as frisas de madeira já apodrecida e um palco já descaracterizado com muitos móveis velhos. Tinha vontade de encontrar em uma das paredes uma tal pintura de um famoso pintor da época, Talvez um holandês chamado Roczel comparado a Rambrant que passou por Poços de Caldas nos anos 20, mas muitas camadas de tinta já haviam anulado a possibilidade de encontrar tal mural. As poucas e raras fotos internas existentes do teatro não mostram tal pintura e nem uma decoração artística que existia na boca de cena, várias vezes mencionada por pessoas mais idosas como algo muito belo. Há pouco mais de vinte anos o antigo conjunto passou para mãos de particulares e pouco depois, demolido, dando lugar a um deposito de material de construção e as últimas colunas demolidas mais recentemente, dando lugar a um estacionamento, que também será desativado em breve para se construir ali mais um grande supermercado. Do belo espaço restam apenas umas poucas fotos históricas em mãos de particulares, algumas belíssimas publicadas no álbum “Memórias em Branco e Preto” de Décio Alves de Morais dentre as quais uma por mim recuperada de um fotograma de película cinematográfica e uma última reportagem que fiz para a TV durante a demolição ocorrida há pouco mais de vinte anos. Na administração do prefeito Paulo Tadeu, quando se fez alguns fontanários novos na cidade o arquiteto João Neves projetou em frente ao local onde existiu o espaço cultural, um fontanário que tem as formas da fachada do prédio. Mas a marca do Politheama é tão forte em Poços de Caldas que pessoas mesmo não tendo conhecido tal conjunto, quando vêem as fotografias não vacilam em inquirir: Como vocês deixaram tal demolição acontecer?
Um fotógrafo e designer americano que mora hoje em Poços de Caldas até recriou o Politheama em um programa de computador em três dimensões. A única e acanhada resposta que temos quando somos questionados é que tal crime serviu para que conhecêssemos mais as leis sobre preservação de patrimônio histórico, pois foi depois da destruição do Politheama que alguns prédios da cidade foram tombados, mas a resposta não deixa de nos envergonhar ao olhar para o espaço vazio de uma festa que comemora Cem anos sem o aniversariante. Tomara que nossas “autoridades” ainda tenham pulso para salvar a nossa histórica estrada de ferro que em 2016 estará comemorando, mesmo que, mutilada, 120 anos. Tomara que eu não tenha que responder um e-mail de um jovem internauta inquieto com aquele prédio virtual tão presente em nossas lembranças, como faço agora. Só resta inutilmente tentar esquecer e sonhar com futuros administradores que pensem em acelerar o tempo histórico da cidade novamente para deixar algum legado para futuras gerações.
Roberto Tereziano
Artigo de suma importância. Deixamos algo emblemático da nossa rica história se perder. Lembro-me também deste prédio, que eventualmente foi demolido bem debaixo dos nossos olhos. São dores que vem se tornando cada vez mais frequentes para todos nós que amamos Poços, que recentemente sofremos uma pancada ao entender que a casa de chá do Recanto Japonês foi destruída por simples maldade, semelhante a aquela que o tal grupo estado islâmico atua sobre o patrimônio de todo um povo. Ou ainda, o que aconteceu com as peças do Xadrez Gigante, gravemente lesadas por moleques que se dizem universitários. TRISTEZA.
Se me permite Tereziano. Convido a todos a visitarem o perfil facebook: AmoPoços Legalização DosCasinos
ou pelo link https://www.facebook.com/eu.amo.Pocos.Legalizacao.dos.Cassinos , onde rendemos homenagem a Poços, aos monumentos mencionados, e requeremos que se corrija o erro histórico que é a proibição dos cassinos no Brasil.
Excelente artigo! Me lembro muito bem das estórias que meus pais contavam desse teatro.Me lembro tb da loja de móveis que funcionou ali.É uma lástima mesmo a demolição do prédio. Ficaram muitas saudades!