Ministério Publico

Congresso Nacional do Júri encerra atividades com palestras sobre dolo, feminicídio, atuação técnica do promotor do júri entre outras temas

Durante as palestras, promotora de Justiça que atuou por dez anos no Tribunal do Júri sugeriu a criação de um observatório feminino para o acompanhamento de feminicidas em potencial. Rio Grande do Sul sediará o próximo Congresso Nacional do Júri

Homicídio e assunção do risco: os indicadores para a imputação do dolo; ADPF 779 e perspectivas de gênero na argumentação jurídica em Júri de feminicídio; Berços, não túmulos: tutela da vida e insurgência criminal; Atendimento psicológico aos familiares e vítimas sobreviventes dos crimes dolosos contra a vida. Um necessário olhar do Ministério Público para além da relação processual; Da investigação tradicional à investigação digital: o impacto dos avanços tecnológicos; e Atuação técnica do Promotor do Júri: estratégias processuais à prova de nulidades e esvaziamento da Justiça foram as palestras apresentadas no último dia do Congresso Nacional do Júri realizado entre os dias 4 e 6 de outubro em Belo Horizonte.

O encontro reúne integrantes do Ministério Público de todos os estados brasileiros para debater as perspectivas e os desafios de atuação no Tribunal do Júri. A programação conta com diversas palestras, ministradas por especialistas em temas ligados à atuação no Júri, além de exposição de teses destinadas ao fortalecimento da atuação do Ministério Público na defesa do direito à vida.

O evento foi realizado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), por meio do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf) e da Coordenadoria do Tribunal do Júri (Cojur), no Auditório da Escola Superior de Direito Dom Helder Câmara.

Período da tarde

À tarde, ocorreu o lançamento das obras: Berços, não túmulos: o ato de matar e os crimes contra a vida, do promotor de Justiça do Rio Grande do Sul Diego Pessi; Clássicos discursos do júri: oratória, teses e persuasão na tribuna, do promotor de Justiça Márcio Schlee Gomes; e Da imputabilidade do psicopata, da advogada Michele de Abreu.

Em seguida, ocorreu a apresentação das seis teses aprovadas pelos participantes e que serão publicadas em revista eletrônica sobre o congresso e também na revista MP Jurídica do MPMG. Uma delas trata do segredo profissional e confessional na apuração dos delitos dolosos contra a vida, de Rodrigo Merli Antunes. Outra aborda a prisão como efeito da condenação pelo Tribunal do Júri, de Giovani Avelar Vieira e Alderico de Carvalho Júnior.

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Depois o promotor de Justiça do MPRS, Diego Pessi, abordou o tema Berços, não túmulos: tutela da vida e insurgência criminal, título do seu mais recente livro. A mesa foi presidida pelo promotor de Justiça do MPMG Vinicius Bigonha Cancela Moraes de Melo. Já o debatedor foi o também promotor de Justiça em Minas, Adriano Dutra Gomes de Faria. Na palestra, Pessi afirmou que a insurgência do crime representa a tomado do poder pelos grupos criminosos. Segundo ele, são mais de 60 mil assassinatos por ano no Brasil, o que representa cerca de 20% desses crimes no mundo, mesmo o país tendo apenas 2,7% da população mundial. Para ele, o Brasil chegou a essa triste marca, entre outras coisas, pelo que ele classificou como piedade criminosa.

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Após a palestra, o coordenador do Cojur, Cláudio de Barros, e o professor da Fundação Mineira de Educação e Cultura (Fumec), Rafael Prosdocimi Bacelar, falaram sobre Atendimento psicológico aos familiares e vítimas sobreviventes dos crimes dolosos contra a vida: um necessário olhar do ministério público para além da relação processual. O MPMG e a Fumec possuem uma parceria para o acolhimento a familiares, testemunhas e vítimas sobreviventes dos crimes dolosos contra a vida.

Depois o consultor forense que atua como analista, instrutor e consultor em tecnologias forenses, Roger Pereira, representante do grupo Techbiz, integradora de tecnologias forense e de inteligência digital abordou o tema Da investigação tradicional à investigação digital: o impacto dos avanços tecnológicos. Durante a apresentação, ele fez um paralelo entre os métodos usados nas investigações vinte anos atrás e atualmente. Segundo Pereira, em cerca de 90% dos crimes de hoje em dia deixam, no mínimo, uma evidência digital (celular, e-mail, aplicativo de mensagem, nuvem, câmera).

Por fim, o promotor de Justiça do MPSP Walfredo Campos, que atua há mais de 20 anos perante o Tribunal do Júri e é autor de vários livros, entre eles o Tribunal do Júri: Teoria e Prática, abordou o tema Atuação técnica do promotor do Júri: estratégias processuais à prova de nulidades e esvaziamento da Justiça. Durante a palestra, ele apresentou alguns entendimentos judiciais atuais e normas que seriam retrocessos e barreiras para a condenação dos assassinos. a mesa foi presidida pelo coordenado do Cojur, Claúdio de Barros. Já o debate ficou a cargo do promotor de Justiça do MPRS, Márcio Schlle Gomes, autor do livro Dolo – Cognição e Risco: Avanços Teóricos.

Período da manhã

Os trabalhos foram iniciados com a palestra Homicídio e assunção do risco: os indicadores para a imputação do dolo apresentada pelo promotor de Justiça de Uberlândia, Wagner Marteleto Filho. O coordenador da Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais, de Execução Penal, do Tribunal do Júri e da Auditoria Militar (Caocrim), promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda foi o presidente de mesa e o promotor de Justiça de Três Corações, Enzo Pravatta Bassetti foi o debatedor.

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Marcos Paulo abriu o painel destacando que “a atividade de combater o crime está sendo criminalizada e que a inépcia dos legisladores facilita o crescimento da criminalidade. Porém, o problema não está só nos outros. Precisamos fazer uma análise autocrítica. Será que estamos, de fato, cumprindo nossa missão enquanto promotores de Justiça?”, questionou Marcos Paulo.

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Sobre o tema da palestra, Wagner Marteleto explica que “nos crimes de resultado, como por exemplo, homicídio, se sabe que a imputação do dolo é um problema que pode ser intrincado, sobretudo nos casos em que é necessário distinguir o dolo eventual da culpa consciente. O que se propõe para essa distinção é que o fator essencial consiste no conhecimento por parte do agente de que ele realiza um risco proibido, qualificado, de produção do resultado. O conhecimento desse risco qualificado permitirá que se impute o dolo, no sentido de que o agente aprovou o resultado, ainda que não fosse buscado por ele, como no caso do dolo eventual ou de que o agente assumiu o risco da produção do resultado”, explica.

Ainda conforme Marteleto, “para tal, também considerando a necessidade de que isso seja esclarecido perante o tribunal do júri, para os jurados, é preciso que se apurem quais são os critérios, os indicadores objetivos que justificam afirmar que o agente realizou um risco qualificado e que, uma vez que o agente conhecia esse risco, ele atuou com o dolo no tocante ao resultado”, completa o promotor de Justiça.

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ADPF 779 e perspectivas de gênero na argumentação jurídica em júri de feminicídio
A promotora de Justiça do Paraná falou sobre o tema tendo como presidente de mesa a promotora de Justiça de Juiz de Fora, Juliana Queiroz Ribeiro, e como debatedora a promotora de Justiça Denize Guerzoni Coelho, da Promotoria de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Belo Horizonte.

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Ao destacar a importância do Congresso Nacional do Júri, Ticiane Louise disse que “primeiro ele agrega essa possibilidade de conhecermos os nossos pares, colegas, outras tendências, os problemas, as inovações, as curiosidades e as dificuldades que os promotores de Justiça do Brasil têm enfrentado. Então, só por isso já é um evento que merece todo o prestígio”, afirma.

Ainda segundo a promotora de Justiça do Paraná, “para além de tudo isso, a gente está discutindo também algumas teses, ouvindo pessoas que acabaram de sair de uma formação acadêmica, colegas que enfrentaram situações, experiências e práticas que são exemplos no Brasil. Nesse aspecto, sem dúvida, o evento segue uma dianteira fantástica. O Ministério Público de Minas Gerais tem feito um trabalho importante nos tribunais superiores em prol de um objetivo institucional que é a preservação da vida humana. Então, nós temos obtido muito êxito e muito disso é em relação à movimentação de Minas nas cortes superiores.

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Ao abordar o tema ADPF 779 e perspectivas de gênero na argumentação jurídica em júri de feminicídio, Ticiane traçou um contexto histórico e a evolução do entendimento sobre o crime de feminicídio passando pelo surgimento da imprensa escrita no Brasil (Século XIX), que noticiava os “crimes passionais”, até os dias atuais. Ela falou sobre a influência dos costumes privados nos julgamentos, como a sociedade estabelecia o papel da mulher, Código Criminal de 1830, código penal de 1890, o surgimento do termos “legítima defesa da honra” entre outros. Citou ainda casos históricos de feminicídio e legítima defesa (Crime da bala de ouro e A tragédia da Piedade) e ressaltou a valorização da vida humana, sobretudo após a Constituição de 1988. “Desde então, não é possível dizer que vale tudo no tribunal do júri. A Constituição tornou o tribunal do júri um palco discursivo racional, republicano”, destaca.

Ticiane Louise ressalta que o cenário atual demostra um aspecto de amadurecimento em relação à defesa da mulher. “Sabe aquela situação em que você balança um tapete e a poeira sobe? Então, as pessoas têm uma percepção crítica um pouco pessimista por conta disso. Porém, quando estamos arrumando uma casa, sacudindo o tapete e vendo as coisas que estavam debaixo escondidas isso pode nos causar uma certa dor, mas é necessário. A crise é sempre importante. Por conta dela nos podemos crescer, já que o sofrimento forja o caráter. Então, estamos num processo de amadurecimento crítico. Novas demandas estão sendo trazidas e o Ministério público brasileiro tem seus anticorpos e uma força nata em defesa da vida humana. Então, só por isso, o momento atual crítico também é esperançoso”, afirma.

A promotora de Justiça Denize Guerzoni Coelho disse que “o congresso promove um intercâmbio de ideias entre os Ministérios Públicos. Então, as boas práticas de Minas são estendidas aos demais estados de maneira a fortalece a atuação do promotor de Justiça que atua no júri.

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Sobre o tema do qual foi debatedora, Denise Guerzoni sugeriu a criação de um observatório feminino para monitorar potenciais feminicidas. “Seria uma iniciativa inovadora. Eu estive cinco anos na Promotoria de Justiça de Combate à Violência Doméstica, depois fiquei dez anos no tribunal do júri, cuidando de feminicídios, sustentados e consumados. Retornei à Promotoria de Justiça de Combate à Violência Doméstica, ainda que na condição de auxiliar, e percebo uma interseção, um ponto de contato, um lugar-comum entre todas as atribuições dos promotores de Justiça. Quando o fato chega ao tribunal do júri a mulher já perdeu a vida. Poderíamos avançar e criar também um grupo de intervenção estratégica. De acordo com o anuário de violência, de 2022, Minas ficou no 2º lugar entre os estados com mais casos de feminicídio no país. Enquanto instituição, precisamos agir de forma preventiva, criando um observatório para promover a interseção entre as promotorias de Justiça, a criação de um banco de dados e de um grupo de intervenção”, sugere a promotora de Justiça.

Galeria de imagens (fotos: Camila Soares e Eric Bezerra)

1º dia
Abertura Congresso Nacional do Júri - 04.10.23

2º dia
Congresso Nacional do Júri - 05.10.23


3º dia
Congresso Nacional do Júri 06.10.23

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Fonte: Ministério Publico MG

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