“Inteligência fora do comum”, afirma Bethânia sobre Waly Salomão
O poeta, escritor e letrista da música popular brasileira (MPB) Waly Salomão, nascido em Jequié, na Bahia, faria 80 anos neste domingo (3). Artista inquieto, a sua morte, em 2003, em consequência de um câncer, é muito sentida até hoje por uma legião de amigos e admiradores, pelas lembranças de sua participação tanto nas diversas manifestações da arte quanto em movimentos em defesa da cultura brasileira.
“Acho que o Brasil perdeu, acho eu perdi, acho que o mundo perdeu uma inteligência, uma sensibilidade, uma novidade, incomuns. Meu grande amigo e poeta extraordinário”, disse à Agência Brasil a cantora Maria Bethânia.
“Eu fui muito amigo do Waly Salomão e, de fato, ele era uma pessoa especial. Primeiro porque era um poeta muito sensível, era um amor de pessoa e faz muita falta. Foi uma das pessoas mais sensíveis com quem me deparei na música popular brasileira. Pessoa muito inteligente e de cultura muito ampla”, contou o historiador e jornalista Ricardo Cravo Albin, pesquisador de MPB, à Agência Brasil.
Em 1967, Waly Salomão se formou em direito na Universidade Federal da Bahia, mas preferiu não exercer a profissão. Lá mesmo na faculdade, fez outro curso que lhe agradava mais. Entre 1963 e 1964 estudou na Escola de Teatro.
Na literatura, o primeiro livro foi Me Segura qu’eu Vou Dar um Troço, escrito enquanto estava preso, em 1971, em uma cela do Carandiru, em São Paulo durante a ditadura militar. O lançamento, no entanto, só ocorreu um ano depois, depois que saiu do presídio. Em 1997, foi vencedor do Prêmio Jabuti de Literatura com o livro de poesia Algaravias. O último livro, Pescados Vivos, foi publicado em 2004, depois da sua morte.
Na música, a parceria com Jards Macalé rendeu muitos sucessos, como Vapor Barato, um dos destaques da carreira da cantora Gal Costa e do grupo O Rappa. Os dois compuseram ainda Mal Secreto, que foi uma das músicas do show Fa-Tal de Gal Costa, considerado icônico. A canção foi gravada também por Luiz Melodia.
“Tudo que ele escreveu, tudo que ele criou, o espetáculo de Gal, Fa-Tal, é uma das obras-primas da música e do teatro brasileiro”, apontou Bethânia.
Além de letrista, Waly era produtor artístico e nos, anos 1990, realizou dois trabalhos com Cássia Eller: Veneno AntiMonotonia, em 1997, e Veneno Vivo, no ano seguinte. Cássia dizia que o encontro com Waly tinha tanta identidade que parecia um casamento.
No cinema, como ator, foi o personagem principal no filme Gregório de Matos, em 2003, que teve direção da cineasta Ana Carolina. O filme narra a vida do poeta baiano, na Bahia do século 17.
Tropicalismo
No movimento tropicalista na década de 1970, que se estendeu a diversas expressões artísticas incluindo música, poesia, cinema, teatro e artes plásticas, se juntou a Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato Neto, Capinam, Tom Zé, Nara Leão, Gal Costa, Os Mutantes e Rogério Duprat, apesar das pressões militares da época.
“Uma pessoa muito culta que era, ele teve participação teórica nesses movimentos todos, escreveu muitas teses, escreveu sobre o tropicalismo, escreveu muito sobre este tipo de rebeldia tão natural ao tropicalismo que queria originalidade, coisas novas e referências brasileiras”, pontuou Cravo Albin.
A defesa da cultura levou Waly a ocupar alguns cargos na administração pública. Foi presidente da Fundação Gregório de Matos, da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Salvador. Na gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura, no primeiro governo Lula, foi secretário nacional do Livro e Leitura e tinha como proposta incluir o livro na cesta básica brasileira.
“Saiu de cena muitíssimo cedo. Ele poderia ter continuado muito mais. O destino, no entanto, nos privou de ter o convívio de Waly Salomão. Viveu muito pouco, mas o pouco que viveu, marcou”, disse o pesquisador.
“Acho que o Brasil deve uma reverência ao Waly, uma reverência nobre, bonita e ímpar, porque com ele não dava para ter igual pra ninguém. Ele era único no seu querer, no seu bem-querer, no seu mal-querer, na sua língua afiada, na sua inteligência, na sua beleza”, apontou Bethânia.
Os trabalhos com Waly foram muitos e intensificam as saudades que Bethânia sente do amigo e parceiro de momentos inesquecíveis. “Era meu amigo, vinha à minha casa para conversar naquele jeito estrondoso dele e tão delicado, tão fino com uma inteligência aguda fora do comum e um coração raro também. A vida perdeu muita graça sem ele. Sinto muita, mas muita falta dele em tudo, no meu trabalho, no meu cotidiano, nos meus dias, nas minhas noites, nas minhas conversas, nos encontros. Eu sinto falta do comentário do Waly, do olhar do Waly sobre aquilo. Sinto saudade dele, da figura, da pessoa. Waly foi, é, e será um poeta brasileiro, um amigo querido para sempre”, disse ela.
Waly foi autor de grandes sucessos da carreira de Bethânia: Talismã, Memória de Pele e Mel. “Waly dirigiu um espetáculo meu chamado Mel onde convivemos diariamente durante os dois meses de ensaio e mais toda a temporada e toda a turnê”, contou, saudosa.
Homenagem
No dia 19 de maio de 2003, o que era para ser uma conversa entre poetas na Bienal do Livro, no Riocentro, se tornou uma homenagem a Waly Salomão, falecido no dia 5 daquele mês. A edição do Café Literário: A Palavra Poética entre o cantor e compositor Caetano Veloso, o poeta, o compositor e escritor Antônio Cícero e poeta Claudia Roquette-Pinto. No encontro, os participantes lembraram o espírito de liberdade e o humor afiado de Waly.
“Uma figura linda com um sorriso que ganhava o mundo. Meu querido. Morro de saudade dele. De todo modo, tudo que ele me deu, tudo que me ensinou, tudo que ele brincou, desenvolveu comigo, é tão bem guardado em mim com tanta doçura, com muitas saudades, que o meu único conforto assim, eu não quero esquecer, gosto de me lembrar de coisas de Waly. Eu quero ter ele ainda, não acredito e não gosto de saber que ele não está mais aqui junto com a gente. Morro de saudade dele e a vida perdeu um pouquinho o encanto sim. Viva o Waly!’, concluiu Maria Bethânia.
Fonte: EBC GERAL