MPF denuncia ex-prefeito de Caldas e outras seis pessoas por corrupção
O Ministério Público Federal (MPF) denunciou o ex-prefeito do município de Caldas (MG) Ulisses Suaid Porto Guimarães Borges, e outras oito pessoas, incluindo seu irmão Elias Guimarães Borges Filho secretário municipal de Governo à época dos fatos, e o vereador do município de Esmeraldas (MG) Gustavo Henrique Machado de Oliveira, por crime de fraude à licitação. Seis deles ainda responderão por desvio e apropriação de recursos públicos e corrupção ativa e passiva.
De acordo com a denúncia, o então prefeito de Caldas, em conluio com outros servidores públicos, direcionou procedimento de licitação do tipo pregão, com o objetivo de contratar empresa previamente escolhida, sediada em Belo Horizonte (MG), para a prestação de serviços de transporte escolar. Em decorrência dos atos praticados, Ulisses e Elias Suaid receberam propina paga pelos denunciados vinculados à empresa.
Os fatos ocorreram entre os anos de 2013 e 2015. Relatório elaborado pela Controladoria-Geral da União (CGU) apontou que o transporte escolar em Caldas, município do Sul de Minas Gerais, com população de 14,5 mil habitantes, utilizou nesse período recursos que totalizaram R$ 5.748.295,70, oriundos do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Público Escolar (PNATE), vinculado ao Ministério da Educação.
No dia 30 de junho do ano passado, o MPF, a CGU e a Polícia Federal (PF) realizaram a Operação Odisséia, com o cumprimento de 10 mandados de busca e apreensão e um mandado de busca pessoal nas cidades mineiras de Caldas e Belo Horizonte, além de Cruzeiro e Taubaté no estado de São Paulo.
A denúncia relata que a investigação encontrou “uma série de ações praticadas pelos investigados ao longo dos anos, com o objetivo de promover, sistematicamente, fraudes licitatórias que viessem a viabilizar, num segundo momento, o desvio dos recursos públicos em favor dos agentes públicos envolvidos e dos entes privados”.
As irregularidades
De modo geral, o procedimento licitatório de que trata a denúncia foi manipulado de modo a restringir a competitividade, com a imposição ilegal de vários empecilhos, para impedir que licitantes de outros municípios/regiões apresentassem propostas.
Além de não haver o detalhamento das rotas a serem executadas durante o transporte, condição essencial à formulação dos preços, a Prefeitura ainda impôs outras exigências restritivas, entre elas, a necessidade de aquisição do edital pelo valor de R$ 20, realização de visita técnica, propriedade de todos os veículos a serem utilizados na prestação dos serviços, grande quantidade de veículos por item licitado e necessidade de reconhecimento de firma em cartório para documentos de habilitação (a autenticação de documentos em licitações é dispensada pela Lei 9.784/1999).
A CGU relatou que a publicidade dada ao certame não obedeceu à legislação municipal e também não foi disponibilizada cópia do edital na internet, conforme exige o Decreto Municipal nº 874/2008. Esse mesmo regulamento proíbe a aquisição do edital pelos licitantes como condição para participação no certame, mas a Prefeitura condicionou o acesso ao edital por meio do pagamento de uma taxa de 20 reais, o que, além de configurar restrição, permitiu que os denunciados tivessem conhecimento prévio de todos os interessados em participar da licitação.
O edital também não seguiu outras determinações da Lei de Licitações: não apresentou projeto básico (art. 7º, § 2º, da Lei 8.666/93), nem a composição dos custos unitários dos serviços (art. 47), com a indicação das rotas mínimas, quilometragem média mensal, quantidade de veículos, frequência de utilização de cada veículo durante o mês e número de alunos transportados em cada rota. “A ausência dessas informações constitui conhecida tipologia de direcionamento de licitações, na medida em que sem tais dados os licitantes não têm condições de elaborar propostas exequíveis. Apenas a empresa que possui informações privilegiadas junto ao órgão público, porque previamente em conluio com os gestores, tem condições de fazê-lo”, explica o MPF.
A denúncia ainda registra que, além de não darem a publicidade prevista em lei, “os processos foram instruídos em um ou dois dias, sem qualquer planejamento e sem a observância das normas básicas de contratação, o que não permitiu ao município sequer avaliar se os preços ofertados pelos licitantes eram compatíveis com os valores de mercado”. Na verdade, os valores de referência adotados pela Prefeitura no edital encontravam-se acima da média do mercado.
Empresa previamente escolhida
O Pregão Presencial nº 032 foi realizado no fim do primeiro semestre de 2013, e seu objeto era a locação de ônibus, micro-ônibus, vans/utilitários com o mínimo de 17 lugares, vans/utilitários com o mínimo de nove lugares, todos com motorista e combustível por conta da contratada, a serem utilizados no transporte escolar dos alunos da rede municipal de ensino pelo período de 12 meses.
Ao fim do certame, foi declarada vencedora e contratada a empresa Futura Veículos e Tratores Eirelli, vinculada aos denunciados Cleiton da Silva Souza, João Batista dos Reis, Gustavo Henrique Machado de Oliveira, Júlio Cézar dos Santos e Demósthenes Menezes de Oliveira. Um ano depois, o contrato acabou recebendo um aditivo de prorrogação de prazo, tendo vigorado até 06/08/2015.
Ocorre que, segundo a denúncia, a realização do procedimento revelou-se mero formalismo para que se procedesse à contratação da Futura, eis que ela já havia sido previamente escolhida por ajuste entre os denunciados.
Depoimentos de testemunhas informaram que antes mesmo da finalização do Pregão 032/2013, o ex-prefeito, o então secretário de Governo e o empresário João Batista dos Reis participaram de uma reunião com interessados em trabalhar como motoristas dos veículos do transporte escolar municipal, quando, além de ajustar, por exemplo, o valor dos salários, também foram dadas informações sobre as condições de trabalho, os cursos obrigatórios, a forma de pagamento, as rotas e os veículos que seriam disponibilizados. Ainda deixaram claro que seria contratada uma empresa de Belo Horizonte (MG).
Esse fato chama atenção por outro detalhe: o item 8.6 da Ata de Registros de Preços do certame dispunha que “(…) são de inteira responsabilidade da Fornecedora, a contratação de funcionários necessários à perfeita execução do objeto”, o que, segundo a denúncia, “atribui contornos ainda mais suspeitos à atuação do Prefeito e de seu irmão”.
O edital também impunha que todos os veículos deveriam ser de propriedade da contratada, mas o que se viu posteriormente foi que a maioria dos veículos utilizados pela empresa Futura na prestação do serviço foram alugados de outras empresas ou pertenciam a alguns dos acusados ou, até, aos próprios motoristas contratados. O MPF apurou que a empresa possui (ou possuiu) apenas seis veículos, entre automóveis de passeio e ônibus, quantidade muito inferior aos 35 veículos previstos na licitação.
Some-se a isso o fato de que a Futura não possuía a qualificação exigida pelo edital para a prestação do serviço – veículos com motorista -, eis que suas atividades englobavam a locação de automóveis sem condutor, conforme inscrição junto à Receita Federal do Brasil.
A CGU identificou que a empresa contratada não tinha porte, empregados, veículos, nem capacidade econômica compatíveis com os serviços que veio a prestar, em tese, ao Município de Caldas. Segundo o relatório da Controladoria-Geral da União, a Futura tinha, em 2012, apenas cinco funcionários, número que aumentou durante a execução do contrato com a Prefeitura de Caldas (em 2013, 29; 2014, 38 e 2015, 23 empregados). Terminado o contrato, a empresa encerrou suas atividades.
Ainda foram identificadas irregularidades na composição da empresa. O primeiro sócio da Futura era Júlio Cézar dos Santos, que é caseiro e pessoa de pouca instrução, tendo sido colocado na sociedade por Demósthenes Menezes para representar seus interesses e, segundo a denúncia, para escamotear a sua presença na administração da empresa investigada. Na verdade, Júlio Cézar é empregado de Demósthenes na fazenda que este possui em Esmeraldas (MG).
Demósthenes atuou como procurador da empresa Futura durante toda a licitação e execução do contrato com o Município de Caldas.
Desvio e apropriação
Os investigadores constataram a ocorrência de pagamentos por serviços não prestados, resultando no desvio dos recursos públicos federais em prol dos responsáveis pela empresa Futura.
Auditores da CGU relataram inconsistências nos dados lançados pela Prefeitura, entre eles, a incompatibilidade dos pagamentos com o calendário escolar; ausência de controle de utilização dos veículos ou qualquer outro documento que comprove a prestação dos serviços a fim de se verificar se estes foram utilizados durante os 22 dias letivos do mês ou por um período menor, e inexistência de detalhamento do quantitativo de veículos a serem destinados ao transporte escolar, o que dificulta tanto o controle quanto o planejamento das despesas pela Prefeitura.
Na prática, segundo a denúncia, a falta de controle sobre a prestação de serviço de transporte escolar implicou pagamentos em período indevido, sem a respectiva justificativa, além de não haver controle do quantitativo de veículos utilizados pela Prefeitura.
Outro fato que chamou atenção é que, embora alguns dos motoristas ouvidos pelo MPF ao longo da investigação tenham afirmado que preenchiam planilhas de controle sobre os trajetos realizados, o ex-prefeito Ulisses Borges afirmou que, “por um descuido do Coordenador de Transporte Escolar na época não foram realizados relatórios de fiscalização do transporte escolar nos exercícios de 2013, 2014 e 2015, motivo pelo qual deixo de juntá-los”.
De acordo com a denúncia, a “informação é claramente omissa e mentirosa, somente se justificando pela circunstância de que os pagamentos realizados não têm suporte no controle realizado, e por isso as planilhas de controle foram suprimidas do processo de pagamento”.
O desvio também foi comprovado pelo MPF a partir da análise dos documentos emitidos pelo Município. No período de setembro/2013 a dezembro/2015, a empresa Futura recebeu da Prefeitura de Caldas quantia superior a 700 mil reais. Logo em seguida aos pagamentos, os valores eram transferidos entre os acusados vinculados à Futura e a outras pessoas a eles relacionadas.
Além disso, segundo a denúncia, foi comprovado que os denunciados ofereceram, e efetivamente pagaram, por sete vezes, vantagens indevidas aos ex-prefeito Ulisses e seu irmão, Elias.
Para o MPF, o recebimento desses valores não configura mera participação no desvio, mas sim verdadeira prática de corrupção, na medida em que não há coincidência de datas entre os pagamentos realizadas pela Prefeitura de Caldas à empresa e os depósitos efetuados por seus responsáveis nas contas de Ulisses e Elias.
Esta é a primeira denúncia resultante da Operação Odisseia. As investigações continuam para apuração de outro contrato para a prestação de serviços de transporte escolar celebrado pela administração de Ulisses Borges.
A denúncia foi recebida nesta quarta-feira (04/08) pela Justiça Federal em Poços de Caldas (MG), com instauração da Ação Penal nº 1002531-92.2020.4.01.3810.
Na decisão de recebimento, o Juízo Federal atendeu pedido feito pelo MPF e levantou o sigilo dos autos, com base na “previsão constitucional de publicidade dos atos processuais”.
Confira abaixo denunciados, crimes de que são acusados e respectivas penas:
1) Ulisses Suaid Porto Guimarães Borges (ex-prefeito de Caldas)
Fraude à licitação (art. 90 da Lei 8.666/93) – Pena: 2 a 4 anos.
Apropriação-desvio de recursos públicos (art. 1º, I, Decreto-Lei 201/67) – Pena: 2 a 12 anos.
Corrupção passiva (art. 317, §1º, Código Penal) – Pena: 2 a 12 anos.
2) Elias Guimarães Borges Filho (ex-secretário municipal de Governo de Caldas)
Fraude à licitação (art. 90 da Lei 8.666/93) – Pena: 2 a 4 anos.
Apropriação-desvio de recursos públicos (art. 1º, I, Decreto-Lei 201/67) – Pena: 2 a 12 anos.
Corrupção passiva (art. 317, §1º, Código Penal) – Pena: 2 a 12 anos.
3) Alessandro Júnior Maurício da Silva
Fraude à licitação (art. 90 da Lei 8.666/93) – Pena: 2 a 4 anos.
4) Cleiton da Silva Souza
Fraude à licitação (art. 90 da Lei 8.666/93) – Pena: 2 a 4 anos.
Apropriação-desvio de recursos públicos (art. 1º, I, Decreto-Lei 201/67) – Pena: 2 a 12 anos.
Corrupção ativa (art. 333, parágrafo único do Código Penal) – Pena: 2 a 12 anos.
5) João Batista dos Reis
Fraude à licitação (art. 90 da Lei 8.666/93) – Pena: 2 a 4 anos.
Apropriação-desvio de recursos públicos (art. 1º, I, Decreto-Lei 201/67) – Pena: 2 a 12 anos.
Corrupção ativa (art. 333, parágrafo único do Código Penal) – Pena: 2 a 12 anos.
6) Gustavo Henrique Machado de Oliveira (vereador em Esmeraldas)
Fraude à licitação (art. 90 da Lei 8.666/93) – Pena: 2 a 4 anos.
Apropriação-desvio de recursos públicos (art. 1º, I, Decreto-Lei 201/67) – Pena: 2 a 12 anos.
Corrupção ativa (art. 333, parágrafo único do Código Penal) – Pena: 2 a 12 anos.
7) Demósthenes Menezes de Oliveira
Fraude à licitação (art. 90 da Lei 8.666/93) – Pena: 2 a 4 anos.
Apropriação-desvio de recursos públicos (art. 1º, I, Decreto-Lei 201/67) – Pena: 2 a 12 anos.
Corrupção ativa (art. 333, parágrafo único do Código Penal) – Pena: 2 a 12 anos.
8) Júlio Cézar dos Santos
Fraude à licitação (art. 90 da Lei 8.666/93) – Pena: 2 a 4 anos.
Apropriação-desvio de recursos públicos (art. 1º, I, Decreto-Lei 201/67) – Pena: 2 a 12 anos.
9) Bruno Augusto Guimarães Lobato
Fraude à licitação (art. 90 da Lei 8.666/93) – Pena: 2 a 4 anos.
Ex-prefeito se defende
Em nota a defesa do ex-prefeito de Caldas, Ulisses Suaid Porto Guimarães Borges, esclarece que não há comprovação de ter ocorrido sobrepreço ou superfaturamento nas contratações afetas ao transporte escolar.
Ainda segundo a defesa o serviço de transporte escolar foi devidamente prestado.
E ainda que, não por acaso, idêntica investigação junto à Justiça Estadual foi arquivada, a pedido da Procuradoria de Justiça Especializada no Combate aos Crimes Praticados por Agentes Políticos Municipais, em virtude da inexistência de indícios de prática criminosa, por Ulisses.