O FALSO CULTO AOS HERÓIS (1)
“Reminiscências literárias de toda sorte e que vão de Plutarco a Carlyle, influenciaram grandemente em nossa formação conduzindo o falso culto aos heróis:
Para a maioria das pessoas, a história deve cuidar precisamente do endeusamento dos “grandes homens.”, Os quais, por definição, devem ser pessoas sobre-humanas, com virtudes e capacidades acima da média, heróis no sentido grego da palavra, isto é, pessoas semidivinas, assim como Enéias ou Hércules, de natureza mista. O herói não seria um homem de especial imp
s “lideres”, os “guias”, os “modelos” etc. – Determinando o tipo de atuação que tiveram na marcha dos acontecimentos. (2) Mas, na fixação do tipo de herói não faz o historiador nenhum julgamento de valor, principalmente, valor moral. _ Herói pode não ser virtuoso e, contudo, ser um grande homem, um homem de grandes qualidades intelectuais. E pode mesmo, não ser um homem de grandes qualidades intelectuais nem morais e ser um herói.
Para que alguém seja um herói não precisa haver praticado atos de heroísmo, aí então será um santo, mas não um herói. No sentido histórico da palavra. Afinal, São Francisco de Assis ou Atila, todos pertencem à história todos são homens significativos. São heróis, no sentido científico do termo. Muitos dos grandes acontecimentos da história foram produzidos por homens que não foram nem gênios, nem santos, homens, por vezes, de moderada capacidade intelectual, e de poucas virtudes, até de grandes vícios.
Mais ainda, do ponto de vista estritamente filosófico, ou teológico, a virtude não corresponde a uma negação ou alteração da natureza. A graça, para ficar na virtude sobrenatural, não nega, mas aperfeiçoa a natureza; Atua, por assim dizer, dentro da natureza, dá-lhe impulso e direção, mas não destrói não a altera.
Muitas vezes uma conversão faz com que certas tendências, antes encaminhadas para o pecado, sejam colocadas a serviço da virtude – O animo guerreiro de um Inácio de Loyola transformado em combatividade puramente espiritual, para dar um exemplo clássico.
Ora essa preocupação e fazer figuras históricas seres sobre-humanos e, não homens que exerceram um papel preponderante, na melhor das hipóteses, cega o pesquisador, impedindo-lhe de ver o que realmente acontece. As fraquezas são afastadas, colocadas de parte, desconhecidas; O que há de especialmente humano, igualmente considerado estorvo: e virtudes nem sempre reais, exageradas agravadas, realçadas. Quando o historiador se põe a procurar, entre um montão de ditirambos, a figura real do homem e os móveis efetivos de sua ação, nada encontrará, pois os livros mostram uma figura absurda e ilógica de um ser semidivino e, não o homem, às vezes de valor, que realmente houve. As qualidades reais da figura histórica desaparecem debaixo dos elogios, dos exagerados louvores das frases e dos símbolos. Certas figuras da história do Brasil foram beneficiadas do ponto de vista histórico pelas criticas de seus contemporâneos, por seus defeitos publicamente reconhecidos ou, então pelo silencio. Imaginemos um D. Pedro Primeiro sem certos aspectos notoriamente desfavoráveis, sem a violenta hostilidade que os liberais sempre lhe moveram. “Ora, o Fundador da nacionalidade, o libertador da pátria, com tantos e tão espetaculares rasgos cavalheirescos e artisticamente exploráveis, ter-se- ia transformado em figura de lenda, em Cid-el-campeador, em personagem de fábula e nunca no” homem de extraordinária medida”, mas um verdadeiro homem, como tão bem relatou Otávio Tarquínio de Souza. Ou n caso do silêncio_ é relevantemente fácil estudar-se um visconde de Uruguai ou um Bernardo Pereira de Vasconcelos, em virtude de não terem encontrado no hagiológico cívico: vemos neles sempre homens reais, de carne e osso, nunca seres fabulosos e figuras de espavento. Por outro lado, é difícil entender historicamente o Tiradentes, depois de toda mitologia elaborada em torno de um homem, que afinal de contas, existiu e deve ser compreendido, o que habitualmente se torna difícil, em virtude do culto cívico em si mesmo perfeitamente louvável, mas que levado a proporções indiscretas, termina sendo nocivo a uma ciência, como a história se preza ser
O grave, porem, da influencia do falso culto de heróis está em que, transformado e mito e figura de fábula o grande homem, reduzindo ele a uma figura sem carne nem sangue e sem, muito menos, alma, torna-se impossível fazer-lhe a psicologia e, depois, descobrir quais os móveis de sua ação. Como apurar as razões que levaram um homem a agir em determinadas condições se, em primeiro lugar, lhe aboliram a condição Humana?
Curiosamente, esta indiscreta pedagogia acaba não tendo maior valor pedagógico: o culto dos heróis, afinal de contas, no que tem de positivo, valioso e útil procura, simplesmente, mostrar aos jovens, como os exemplos do passado, a maneira adequada ou que se presume tal, de servir à pátria. Trata-se de revelar aos jovens pela reverencia aos antigos, o sentido da continuidade histórica, e, portanto, a dependência em que umas gerações estão de outras. Procura-se assim, criar na mocidade a consciência de gratidão para com os antepassados e, como consequência, incutir-lhe o sentido das responsabilidades para com o vindouro. E, assim, mostrar à juventude o caminho da prática das virtudes cívicas.
Ora se apresentarmos figuras singulares, de estatura sobre-humana, praticando virtudes acima do nível de qualquer pessoa, a primeira consequência será o desencorajamento. Evidentemente ninguém se acha em condições de seguir exemplos tão ilustras – e, como não há pior estímulo de que o oferecimento de um prêmio inacessível, o resultado será o ceticismo. Ceticismo que, provavelmente, já haveria desde o primeiro dia: os heróis são apresentados de tal maneira que o bom senso vai logo mostrando ser aquilo impossível. Não houve ninguém assim: tudo é literatura. E, afinal, cai no descrédito e a pedagogia perde-se no vácuo.
Por isto, devemos considerar o falso culto dos heróis, fundado em exageros e supervalorização de qualidades, como um dos obstáculos à pesquisa histórica, entre nós.
(João Camilo de Oliveira Torres)