Cultura

Carnaval: Do Valete ao Lira

Chegou mais um período de festa momesca e a cidade se veste para a maior festa popular do mundo.

Numa rápida incursão pela historia do carnaval de Poços de Caldas, o médico e escritor Mário Mourão, em seu livro “Síntese histórica de Poços de Caldas” registra que o carnaval de Poços de Caldas começou em 1893. Comenta o escritor que Alfredo Pereira, caixeiro do Vital Brochado e Artur de Oliveira, escrivão de paz, fundaram o clube carnavalesco Valete de Ouro, exatamente atrás do Pálace, no hotel da empresa, local onde 110 anos depois se encontraria a promessa do futuro do carnaval de Poços de Caldas, parque José Afonso Junqueira.

Carnaval Poços de Caldas década de 30
Carnaval Poços de Caldas década de 30

Era um grupo de rapazes, todos vestidos de calção e uma capa de cetim imitando a indumentária dos congos. Com mascaras no rosto e voz disfarçada em falsete, tão mal disfarçados que todos eram tratados pelos nomes. Nosso autor mencionado vestiu a farda do Tenente Coronel seu pai e, seu amigo, o tenente Augusto Junqueira, trajando um vestido de noiva de sua irmã que havia desistido do casamento no dia do matrimonio. O tenente muito alto, com um vestido de uma mulher baixa, pernas de fora e uma botina como calçado.

Segundo Mário Mourão, só mais tarde e que surgiu o carnaval de rua, com lança perfume e bailes no hotel “O Globo, que ficava aonde hoje é o Banco Itaú. Nos clubes as batalhas de confetes. Quando o estoque de lança perfumes se esgotava os rapazes utilizavam loções e perfumes, muitas vezes caríssimos, mas não deixavam de brincar.

Comenta ele ainda, que as mulheres casadas e mais serias (balzaquianas) da sociedade eram as que mais se atiravam nas brincadeiras de rua.

Mario Mourão escreve que o primeiro baile carnavalesco de salão aconteceu em 1918 no grande cassino (Cassino Velho, localizado no jardim ao lado do Palace Hotel, que ainda não existia. A renda do carnaval se destinava ao hospital da Santa Casa.

Comenta o medico escritor que as grandes quitandeiras da cidade ofereciam os pratos que eram servidos e que o baile rendia de doze a quinze contos de reis, com os quais a Santa Casa oferecia atendimento aos pobres da cidade. O ingresso para os principais dias era familiar. Até criança de colo participava.

A quebra da bolsa, o chamado Crack de 1929, interferiu muito na vida de todas as pessoas e no próprio carnaval local. Só pouco depois, com o aparecimento do carnaval carioca, com seus grandes blocos e escola de samba é que o carnaval por todo o país foi se reestruturando, perdendo a aparência dos Estrudos antigos e, ganhando as ruas como amaior festa popular do planeta.

No período inicial do governo do prefeito Assis Figueiredo, quebrou-se o monopólio dos cassinos e espalhou diversão por toda a cidade. A propaganda bem feita da cidade, pelos diários associados. A aproximação com o grande homem da comunicação da época, Assis Chateaubriand, deram visibilidade para Poços de Caldas. Em todos os cantos começaram a surgir boates e cassinos com grande vantagem para os cofres públicos do estado e município. Assim, a frequência de pessoas ricas habituadas ao “grand-monde¨” incrementou-se de maneira vultuosa.

Mas foi nos tempos do Sr. Visconti que os bailes de carnaval assumiram a importância que perdurou por muitos anos como o melhor carnaval do interior do Brasil. Para se ter uma ideia de valores, os ingressos que nos anos 20 custavam 10 cruzeiros, dando direito de entrada a toda a família, agora custavam até 100 cruzeiros por pessoa e, uma mesa para quatro pessoas chegava a custar 500 cruzeiros.

Até o presidente da Republica, Getúlio Vargas e todo seu staff tinham lugares reservados no carnaval de Poços de Caldas.

O saudoso Bernardo Spindola Mendes Filho, neto do Cap. Reinaldo Amarante. Comentava que a elite brasileira frequentava o carnaval de Poços de Caldas. Ele não se esquecia de mencionar que quem abria oficialmente o nosso carnaval era nada menos que Baby Pignatari, neto do conde Matarazo, Baby Pignatari era o grande playboy da época, namoradinho de princesas internacionais e jovens atrizes de Hoolywood. Era ele quem puxava o cordão inaugural da folia. Só depois surgiu Anízio Gaiga, primeiro rei momo e, outros Momos que o sucederam.

É bom registrar que nos anos 50 os cassinos oficialmente já estavam proibidos, embora que “clandestinamente” a jogatina ainda corria solta, sob suborno das autoridades.

A proibição dos jogos de azar pelo presidente Eurico G. Dutra, em 1946, o aparecimento de medicamentos mais potentes e até as mudanças econômicas mudaram também a vida de Poços de Caldas, mas no período de carnaval muitos turistas de vários pontos do Brasil ainda vinham para a estância.

Ainda adolescente, me lembro de grandes carnavais com cara de interior, sem escolas de samba, mas com grandes blocos de animação, com destaque para Domesticas de Lurdes, formado por executivos de Belo Horizonte, e mais de uma dezena de grandes blocos formados por pessoas de Poços de Caldas, desfile de fantasias isoladas, etc. A formação do Conselho Municipal de Turismo, com a decisiva participação de Venícius Bertozi, Arí Bressane, Rafael Acconcia, Milton Vinci, dentre outros, com a função precípua de organizar o carnaval.

O saudoso sonoplasta Salathiel Coelho, um dos fundadores da TV Tupy, mandando para Poços de Caldas, praticamente, o principal elenco da maior novela da época. (O direito de Nascer). Tudo para ajudar a divulgar Poços de Caldas. Eram os próprios atores, Elias Gleyser, Sergio Cardoso, dentre outros, que faziam a assessoria de relações publicas de Poços de Caldas. Ainda adolescente, ia para as ruas para ver o corso.

Centenas de carros antigos decorados, desfilavam pelas ruas da cidade garantindo um espetáculo de criatividade e alegria para a população que não ia para os luxuosos bailes de salão. Eram as batalhas de talco, serpentina e alegria que contagiavam a todos. Eram as massas se apropriando do grande folguedo que só foi verdadeiramente forte quando teve a presença da periferia, mesmo nos blocos de elite, que nunca soube fazer cultura, mas, apenas se apropriar, expropriar e transformá-la em negócios rentáveis para poucos.

Nos anos 70 os próprios carnavalescos já denunciam o declínio do folguedo. Tenho forte na memoria um dos carros, ainda no corso já decadente, com um caixão conseguido ilegalmente em uma funerária sobre o teto do carro e, uma grande faixa: Carnaval, estão te mantando. O carnaval foi perdendo o seu ar original interiorano e se tornando uma tentativa mal acabada de cópia dos carnavais cariocas, baianos, ou pernambucanos.Com o Chico Rei vieram as escolas de Samba mas, poucas foram as escolas de samba da cidade que conseguiram fazer um carnaval verdadeiro e original, feito pelo povo e não pela concorrência desigual do poder econômico, que sobreviveram. Tais escolas, se ainda sobrevivem, é a duras penas, pois a cada ano o desanimo cresce. Varias tentativas de imitar carnavais alienígenas não deram certo, nem trio elétrico baiano, nem axé. Nos últimos anos, o que de positivo aconteceu e se mantêm, foram o tradicional banho a fantasia que já é marca nossa, a Charanga dos artistas, idealizada por Anésio Avelar, a pouco mais de dez anos, com a participação dos atores de teatro da cidade, Miguelzinho e Banda, e a banda Regional do Lira com suas marchinhas tradicionais que propiciam um carnaval original, alegre e familiar, e a graciosidade do bloco Em cima da hora com sua forma original e alegre de brincar o carnaval, mostrando os rumos para o futuro do nosso carnaval.

De 1893 até hoje, do Valete de Ouro a Regional do Lira, 123 anos se passaram e é o próprio carnaval a apontar que ainda pode ser salvo, caso ele volte a pedir socorro para o morro e para as massas vivaldinas das periferias onde, verdadeiramente, nasceu, pois do Valete de Ouro, das elites, nada de sustentável sobrou.

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