Colaboraboradores convidados

O incontestável trabalho – Por Ernani Pasculli Filho*

trabalho

Estou vivo. Sinto saber disso porque penso em minha existência. Penso nas cinco necessidades básicas pra viver, na ordem: o ar, a água, o alimento, a morada e vestimentas. Os dois últimos são relativos, ora pelos padrões sociais, culturais e econômicos, ora pelas adversidades climáticas em suas extremidades. A relação sexual como outra necessidade, pode ser desnecessária da ordem classificativa.

Penso na importância do trabalho corporal. Acordado ou dormindo. Em pé, sentado, ou deitado, movimentando ou estagnado. Minhas funções orgânicas continuam trabalhando. Como também minhas vontades, paixões, programas e todo tipo de motivações para viver. Inclusive, fugas, elas, como simples manias para fugir de outras manias. Vale a pena viver.

Acredito na possibilidade, da evolução de nossa sociedade a tal ponto, do qual conseguiremos controlar nossas ansiedades relativas ao nosso tempo. Olhar para o céu, sentir uma brisa, ou o cheiro da chuva. Ser amável com os animais e as crianças, e ser paciente com os velhos. Ser gentil, educado e comunicativo. Sorrir pra vida e saber falar não numa comunicação livre de repúdios. Usarmos da inteligência e alimentarmos uma crescente e ininterrupta sabedoria. Aceitar nossas limitações, acreditarmos e mantermos os pés no chão, e termos a humildade de relacionar bem com as pessoas.

Assim penso na importância do tempo, o tempo ao tempo. Sem marcar tempo para controlar o tempo. Não usar do tempo livre para um árduo trabalho rentável agregado, ou um entediante trabalho na busca de um tempo livre compactado na ordem do dia. E quem sabe um dia, o trabalho real e prático, necessário e obrigatório simplesmente pela razão de ser, ao sair das utopias e ser um prazer verdadeiro.

Hoje, adulto, compreendo a importância do alimento, de uma morada e da divisão social do trabalho, e que uns e outros têm mais ou menos facilidades, interesses e cuidados pra certas tarefas. Vale lembrar as falas das mulheres, quando encontram dificuldades básicas ao conduzir um veículo automotor, sobre a coerção social e cultural, dos brinquedos vinculados à educação, que: para menina é ser dona de casa, e o menino é desbravar o mundo. Os trabalhos domésticos, estender as roupas de cama, passar pano no chão, carpir o quintal e varrer as escadas, escolher feijão, lavar louça, descascar o alho, ir ao mercado e fazer compras.

Dessas tarefas básicas, percebe-se das funções começarem de dentro para fora, do menor para o maior. Quando crianças, se acaso auxiliávamos as mães, fosse por castigo ou por imposição mesmo. Recordo falas totalmente preconceituosas, ao fato do homem fazer trabalhos domésticos. Daí a dupla zombaria, com o menino e com o nome referente de Maria.

Ainda a narrativa questionadora, por um assunto vulnerável. Num diálogo, alguém comenta da sensualidade pelas vestes simples, aconchegante e à vontade. Um colega comenta de uma interpretação a Nelson Falcão Rodrigues, pernambucano, jornalista, escritor e dramaturgo. Esse colega relembra seu primo abastado, casado com a filha de um milionário fazendeiro. Sem ter filhos por mais de três anos, eles separaram, e o primo casou com a serviçal, mulata, cinturada e formosa de um sorriso faceiro. Juntos, tiveram filhos e ele voltou a sorrir…

Recordo as narrativas de outro amigo em fase juvenil, espionando numa posição cômoda e imperceptível aos olhos da desejada vizinha quarentona. Ela, com roupas simples nas funções de doméstica, com calça de malha ou de shortinho. Às vezes, desprevenida da peça íntima do busto, o fato de estar à vontade no recôndito do lar, a barra da camisa retorcida em um nó com uma leve barriguinha saliente, descansada sobre o tanque formando uma silhueta traseira, na força braçal, escovando as roupas no batedor.

*O autor é barbeiro e estudante de Ciências Sociais.

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