CulturaDiversosNotíciasRoberto Tereziano

Pela primeira vez, “Férias”

*Roberto Tereziano

Tudo parecia apenas uma brincadeira, apenas um período de descanso confinado e que tudo rapidamente voltaria ao normal. Eu que comecei a trabalhar muito cedo, no tempo do salário “de menor,” quando era permitido que criança trabalhasse como auxiliar ou aprendiz e percebesse meio salário mínimo por mês, até gostei da ideia de ficar alguns dias sem o compromisso de sair cedo e voltar tarde.

Verdadeiramente, em mais de meio século de vida e trabalho, eu nunca tirei férias. Antes mesmo do “salário de menor” quando eu tinha entre seis e sete anos, a vida já marcava os caminhos do trabalho. Como ninguém dava emprego oficial para uma criança de tal idade, a solução era ser pequeno empresário individual literalmente. Havia alguns depósitos de sucatas, dentre os quais o do Sr. João do ferro velho, que ficava bem no centro da cidade, na Praça dos Macacos, era  lá mesmo que estava nossa mina de ouro.

Qualquer tempo livre das ajudas nos trabalhos domésticos era oportuno para fazer a “empresa particular” funcionar. Passeava pelos locais onde as oficinas mecânicas descartavam seus lixos e sempre encontrava peças de automóveis, restos de fio elétrico e outras sucatas mais, que poderiam ser convertidas em algum dinheiro. “O holding” também tinha outro departamento. Como era comum que as pessoas tivessem hortas em seus quintais, mesmo no centro da cidade. Havia um bom mercado para esterco animal usado como adubo.

 Um passeio pelos campos, perto de locais cujos proprietários tivessem cavalos e a colheita era garantida.

Havia até uma clientela certa para tal produto. Algumas donas de casa pagavam em dinheiro, mas a preferencia recaia em clientes como Dona Alice Monteiro, que sempre nos presenteava ainda, com roupas ou calçados usados e até com quitutes saborosos feitos por sua mãe, Dona Maria Monteiro.

 Com o passar do tempo  e da idade, vieram outros trabalhos. Em tal período, meninos pobres engraxavam sapatos, mas a atividade em grupo era muito fértil para pequenos desvios. Ainda tinha a marcação cerrada do Sr. Acácio, um excombatente que policiava os meninos com mão de ferro. Detinha-os por qualquer motivo.  Jogar bolinha de gude, por exemplo, era motivo de apreensão.

 O jogador“delinquente” e a caixa de engraxar eram apreendidos e levados para os fundos do mercado velho e só liberados com a presença do pai ou responsável. Nunca fui engraxate com a caixa nas costas. Coloquei todas as ferramentas de engraxar em uma pasta, tipo executivo, e ia de porta em porta. Funcionou bem. 

Produção de pirulitos ou panquecas para venda também dava lucro. Vender doces em compotas para a Dona Justina e Sr. Antônio Grilo, (Doces Santa Rita).

O sábado era sagrado, carregar cestas na feira. Quando consegui fazer um carrinho de mão para prestar serviço completo, ainda entregava as compras nas casas da clientela.  

Através de um vizinho bancário, fui tomar conta da AABB, quando a sede ainda era na Rua Assis Figueiredo, onde hoje é a agência principal do Banco. Durou pouco tempo. Lá ficava sempre o museu de ceraque passava pela cidade, e tinha entre outras curiosidades, apresentação de aberrações proibidas para menores. Também, durante uma noite de carnaval alguns foliões invadiram o local e com facas  fizeram uma  algazarra perigosa para uma criança. Perdi o trabalho.

Depois fui para uma fábrica de calçados, onde quase tudo era feito manualmente, mesmo as poucas máquinas eram bem rudimentar. Francisco Furchi também fabricava botas ortopédicas pois em tal tempo as vitimas de paralisia infantil eram bem numerosas antes da vacina.

Eletrônica e eletrotécnica já era coisa de família, também fazia meus consertos.  Já quase adolescente vieram trabalhos mais importantes para o resto de minha vida. Serviços de Obras Sociais. (S.O.S.)Algumas viagens pelo Brasil.

Então, tive meu primeiro contato com jornais, quando foi pela primeira vez ao Diário de Poços de Caldas do qual já era leitor. Tal visita foi com o escritor Jurandir Ferreira, que era esposo da fundadora do S.O.S.do jornal vieram grandes amizades.

No Cine Teatro Alumínio, Foi quando de fato me encontrei com a sétima arte, circulando pelos cine Cassino, Cine Palace e a partir de então  fortes influências entraram em minha vida, Também já havia aprendido fotografar e revelar com Sr. Ninho Quinteiro.

As câmeras cinematográficas foram apenas um caminho lógico.Não levou muito tempo para colaborar com jornais escrevendo sobre cinema, teatro, etc.

 O jornalismo levou-me à clicheria, Off Set, serigrafia, flexografia, ao rádio e a televisão.Com a literatura, vieram o  teatro fora da escola, o cinema, e a televisão. Com a primeira  filmadora comprada, já usada, no exterior, e as que vieram depois, conseguiria portas abertas para contatos e amizades importantes.

Aliás, faltou bem pouco para que eu fosse trabalhar com  Marcelo Mastroiani. Não fosse o fisco italiano impedi-lo de sair do país ele teria vindo para o Brasilcom planos de ressuscitar a histórica “Hollywood brasileira,” a Véra Cruz. Na empreitada estava um advogado, filho de um dos fundadores da Rádio Cultura de Poços de Caldas. Ele era minha porta de entrada.

Era dele, Mastroiani, o comentário: “Posso me considerar um homem feliz: Faço que gosto e ainda me pagam.” Só faltou a mim aprender  a ganhar dinheiro.

 Para quem nunca tirou férias na vida agora já se aproximam dos doze meses de confinamento literalmente sem sair de casa.

 Não sabia que férias eram tão cansativas.  Que venha a tal vacina, pois já estou cansado de descansar.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site está protegido. Para compartilhar esse conteúdo, por favor utilize as ferramentas de compartilhamento da página.

error: Este site está protegido.