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Pra não dizer que não falei de março

*Roberto Tereziano

Cada vez que leio ou vejo reportagens sobre o cantor e compositor Geraldo Vandré me vem à mente lembranças de um amigo, o músico, violeiro, produtor e pesquisador de músicas brasileiras e Ibero-americanas, Dércio Marques.

Pesquisador e defensor da cultura popular, Dércio Marques morrem em 2012 – Foto – acervo songtextefm

Dércio Rocha Marques se tornou grande amigo do antropólogo e professor universitário Carlos Brandão que tem um espaço alternativo em Pocinhos do Rio verde, Caldas-MG, que se tornou  um nicho de intelectuais. Também morava lá perto o escritor Ruben Alves, etc.

Pocinhos sempre era ponto de encontro de professores, escritores e pesquisadores.  Depois de muitas visitas ao sítio, Dércio construiu sua própria casa também no local onde passava muitos dias descansando cantando, cantando e pensando.

Eu e o saudoso amigo Bernardo Spindola Mendes Filho, neto do Capitão Reinaldo Amarante, sempre íamos à Pocinhos e lá conhecemos  Dércio Marques. A cada visita o bate papo se estendia por horas a fio, indo para os mais diversos assuntos, e claro que não poderia faltar música, pois ela era a vida de Dércio Marques.

Naquele dia, fomos primeiro para a casa do Brandão e depois fizemos a visita à Dércio Marques que estava em casa e meio enfermo com uma  possível hepatite.

Fomos devidamente recebidos pela esposa e não tardou que mesmo debilitado, ele saísse do quarto e viesse nos receber afetuosamente como sempre.

Entre as goladas de café, pão de queijo e muito bate-papo Dércio contou do trabalho que acabara de dirigir em comemoração á  carreira do cantor Paulinho Pedra Azul e logo voltou a falar no nome de Vandré, que disse certa vez: A vida não se resume a festivais.

Ele que continuava fora do Brasil, pois mesmo bem depois da anistia política e da ditadura o cantor ainda não havia se decidido á voltar. Morava no Chile.

 Dércio sonhava com um novo show de Geraldo Vandré no Brasil, mas segundo ele, Vandré não acatava tal ideia e dizia que não cantaria mais em solo brasileiro. Eu que tinha comigo uma das mais belas e raras apresentações do Vandré cantando a canção que mudou sua vida, encontrei durante o exilio, Pra não dizer que não falei das flores, cantada para uma TV Alemã, uma vez que a histórica apresentação do festival da TV Record foi destruída pelos militares, só existe o áudio original, gostei da ideia. Poucos em nossos dias haviam visto Vandré cantando a “perigosa” canção. Não nos esqueçamos que na tomada da Nova Normandia, o chamado dia “D” Jean Sibélius com uma marcha levantou um exercito. O medo se justifica.

Eu disse ao Dércio; Fale para o Vandré que montaremos o palco na divisa com o Brasil, do outro lado da ponte da amizade para ele cantar, e colocaremos um milhão de pessoas como público, do lado brasileiro.

Depois desse encontro Dércio ainda debilitado, foi fazer um trabalho na Bahia e lá descobriu que não estava com hepatite, doença que vinha tratando, mas sim com um gravíssimo câncer no pâncreas. Foi a última vez que estivemos com Dércio Marques. Ele faleceu pouco depois em junho de 2012, em Salvador.

Acredito que ele não voltou a se encontrar com Geraldo Vandré, que aliás, teve sua vida resumida naquele fatídico festival.

O trecho do especial gravado pela TV Alemã em que Vandré canta “Pra não dizer que não falei das flores” em uma das suas mais belas e dramáticas interpretações, nós o fizemos público, está hoje em vários locais na internet. Vale a pena assistir.

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