TREM (3) Ludgero Borges
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Esta calha fica entre a Estação e o sopé do Morro da Mogiana com suas minas de água. Como fizemos o leitor entrar para a plataforma e virar para a esquerda vamos então empurra-lo para o lado direito agora , que continua sendo um local de espera, porém tendo logo de cara uma porta dupla de madeira e exclusiva para operários da firma, que serve a uma ampla sala apinhada de mesas com suas cadeiras respectivas, cada uma específica para determinada função , tirante duas pequenas torres de telegrafo onde o operador em geral trabalha em pé a não ser em comunicação mais extensa. O telefone ficava na mesa do Chefe de Trafego. Uma curiosidade no código Morse; os sinais, tanto o receptivo como o enviado seguiam pelos fios telegráficos naturalmente e nas mesas de trabalho as duas torrinhas -chamo-as assim por não saber seus nomes ou se possuem um , mas na verdade trata-se de um tróço de pequenas peças metálicas, engrenadas umas ás outras, uns fios, alavanquinhas com botões , um mostrador do tipo de relógio despertador com números e sinais para leitura dinâmica e movida á eletricidade, mas que na realidade estas torrezinhas poderiam chamar simplesmente unidade emissora e unidade receptora, de cujo centro tem um ponteiro longo, movente que quando pende para a esquerda pode configurar uma letra e se movendo para direita , digamos, está indicando um número ou algum código . É um recurso do Morse pois se acompanha com os olhos e ouvido o que outro operador está falando com gesto de mão, á dezenas de quilômetros distante. Não fica aí a artimanha; Engenhosos telegrafistas usam duas latinhas de tamanho diferentes, vazias, estrategicamente dependuradas na torrinha nos dois lados do saltitante ponteiro que devem tocar de leve nelas, quando manipulado. Sendo a fonte sonora de tamanhos diferentes, se ouvirá um som alto –fino- na fonte menor e um tom mais grave –baixo- se tangir a maior. Desta maneira o cidadão poderá estar trabalhando outro setor ao mesmo tempo ouvindo o que outro telegrafista esta transmitindo pelos impulsos elétricos, que além de sonoro, pode ser também visual, de dezenas de quilômetros distante. Passando esta sala, segue outra com portas de correr tanto para o lado interno do prédio como para o exposto do lado do Largo, com o dobro de espaço, tendo um balcão encimado de grade até o teto onde o despachante oficial faz anotações de toda a mercadoria que passa por ali, despacha conhecimento do objetos. Só com este documento a mercadoria pode deixar o estabelecimento Na ultima haste desta construção geralmente tem um sino do tipo colocado nas máquinas, que é da obrigação do guarda noturno tangê-lo, de hora em hora. O sino da de poços de Caldas é um naco de trilho cuja sonoridade deve importunar até o Mefistófeles na sua casa. Bem. Falamos do prédio mor em si. Agora vamos complementar a unidade de Caldas, como dizem os mogianos. Partindo da plataforma interna que se situa á 60 cm mais alta que o solo propriamente dito, tem este plano entre ela e o início da subida do morro, uns 50 metros onde se instala quatro chaves de mudanças de direção de linhas destinadas á manobras, lenheiro, caixa d’água, vagões moradia, -e hoje, um suporte sobre dois eixos contendo roda s sobre um trilho formando grande aro, pode em 10 minutos , se tanto, mudar a posição de uma locomotiva ou de um vagão. Do emaranhado de trilhos, um par deles ia direto á Casa de Máquinas sendo que a linha rente a plataforma vai direto para fora da cidade.
0 Trem Expresso, tecnicamente conhecido como P 2 e – P 1. fora programado para chegar em Poços de Caldas as 17 horas -ou coisa parecida alcunhada do trem das cinco– e era inegavelmente um espetáculo diário o ano todo, como o Dia das Mães é 8 de maio., Dia da Pátria, 7 de setembro, 25 de dezembro é o Natal . Faltando 10 minutos para as 17 h, ele deveria estar fazendo a curva nas imediações da Chacrinha do Benedito Francisco, matadouro do Capitão Orlando, Horto Florestal, Campo de Golfe, Posto Zootécnico , Country Club e , em diversos outros pontos neste Bairro São Geraldo. O monstrengo mogiano dava curtos apitos e na entrada da curva do Miglioranzzi caprichava mais na sonoridade, mais ou menos neste momento é que a campainha estridente alertava no Largo da Estação . Era praticamente deste ponto, que os passageiros viam os primeiros traçados da Cidade das Rosas, desde o sopé da Serra de São Domingos, com enormes casarões raleados pelos campos e macegas, mas com enormes arias como Gama Cruz, Serras Azuis, São Jorge, Vila Flora, Vila Cruz, Estrada do Padre Mouthon -hoje Champagnát -, Areieiro, Chacara do Palace- Chácara dos Cravos, Jardim do Ginasio, Chácara dos Tognis, Olaria do Nelo, Campo dos Sapos, isto do lado esquerdo do Expresso. Do lado direito via-se pouca coisa, como campos da Mogiana, Campo S,anto -hoje Cemitério , poucas construções neste Bairro de São Geraldo
Nesta altura do acontecimento, o Trem, que estava além do Cemitério, se aparelhava a Avenida Saudade e vinha em decidida corrida rumo ao seu ponto final , depois de um apito levemente floreado, mas o suficiente para tocar dezenas e corações na plateia por diversos motivos embora , ainda, da Estação , não se avistasse a coisa . A essa altura, á 200 metros da casa, havia a Chave de Entrada, que consistia de uma geringonça de ferro , no leito do chão, dotado de dobradiça e articulado de tal forma, que ao tombar uma alavanca a qual tinha um contrapeso de ferro de uns 25 quilos e , posicionando-a ao lado contrário, a linha de trilhos tornava-se reta até os fundos da Estação que em geral estava assim de gente, cujas consciências relacionavam estrada de ferro & progressos. Na Chave de Entrada o manobrador de tráfego, imponente, conciso de seu dever, descansando o corpo sobre uma perna enquanto o outro pé orgulhosamente se apoiava no contra- peso e, segurando uma pequena bandeira verde sobre a alavanca de desvio apontada para a linha de trilhos, sinal convencional de Passagem Livre, permitindo-se num ato de imponência, cumprimentar aquela avalanche barulhenta, na coisa da autoridade máxima, a Locomotiva P 2 ! Temos impressão de que a Companhia de Estrada de Ferro Mogiana, todo o seu acervo e mais o corpo funcional e ligados a ele, são todos uma só família.