TREM ( 7 ) LUDGERO BORGES
Tao logo os carros eram abertos , cada pessoa atacava ligeiro seu setor de trabalho, distribuindo funções; alguns empunhavam uns 30 jornais numa improvisada bolsa de papelão a tira colo e saiam esguelando -Oóólha a Folhaaa, -óóólha o Diario de São Pauuulooô, – olha o Correio Paulistano, Jornal do Brasil, -óóólhe a Folha da Manhããã e a Folha da Noite, -olhe a Noite Ilustrada, – tenho o Jornal do Comércio e o Estado de São Paulooo, preferindo gritar nas portas de hotéis, de clubes e bares. Outros distribuíam programas das atividades em Poços, Havia sempre uns dois ou três moleques mais chegados aos afazeres normais da Estação. Os freios modernos de vagões e máquinas eram do tipo a vácuo tendo em cada vagão uma geringonça que se ligava em toda a composição através de tubulação semi flexível até á um comando ao alcance do maquinista, de formas que acionados, todas as rodas da composição seriam brecadas, pois a inércia ativa do comboio não deteria o Trem em poucos metros de arrastão se contasse só com o breque mecânico. 0s eixos e rodas, poderiam permanecer presos, porque dentro dos pistões um pouco de ar comprimido ou gás, presos, continuariam apertando as sapatas de atrito, mas em cada conjunto de freios existe uma alça de arame que se liga na beirada externa dos carros que pode ser acionada liberando as rodas. E Isto tinha de ser feito sempre após cada estacionamento com curta distancia como agora. Enquanto havia o movimento na plataforma, nós percorríamos os carros, e descomprimia os pistões dos freios, puxando a tal alça e desengatávamos as mangueiras de ar comprimido em seguida dávamos bela checada nos carros na esperança de encontrar algum valor como moedas, broches, medalhas, cigarros, documentos , canivetes, óculos e outros bichos. No decorrer final da tarde, o Sr. Maneco manobrador e o foguista manejavam os caros nas diversas linhas do pátio, montava-os no sentido de partida, já colocados na linha-mor e levavam a locomotiva para o viradouro atrás do cemitério e a colocavam na Casa de Máquinas nas mãos do Limpador Essa labuta da tarde parava invariavelmente as l8,30 h. quando chegava o Guarda Noturno que permanecia até as 6,oo h do dia seguinte. Na verdade os funcionários em comum acordo faziam um rodízio e um deles faltava ao serviço depois do almoço, para vir dar um trato no expresso entre 6,30 h as e 20,00h com muita água, sabões, escovas, buchas, panos, desinfetantes, espanador, rodo, vassouras, palha de aço e que tais. Vez por outra, fazia esse mise-em-plise- depois de levar a namorada no cinema ou na seção de namoro, quando ela própria não vinha colaborar com aquele capricho comum das prendas caseiras. Não era incomum a família inteira de um funcionário vir dar aquele capricho no P – 1, que lá nos fundos de suas consciências consideram seus lares como suas hospedarias, tal como os árabes, consideram as visitas, dignas de respeito e hospitalidade. Queriam que os hospedes voltassem sempre. Desde os preparativos para receber o Trem das Cinco, o movimento interno na Estação na verdade iria até o começo da noite se incluirmos o asseio geral nos vagões de passageiros. As manobras do pátio de trilhos continuavam até uma hora depois do Trem estar livre e desimpedido porque precisava-se manusear o comboio de maneira a estar pronto para reiniciar viagem no dia seguinte, manobrar vagões noutras linhas e que só poderia ser feito com a locomotiva foguista e manobrador, abastecer de água os carros da composição antes de alinha-los na reta de partida, manobrar os vagões de carga que estavam no pátio, virar a locomotiva ao contrario de quando chegou, abastece-la de lenha, carvão mineral , água e só então conduzi-la para a Casa de Máquinas estacionando-a em cima de uma valeta de concreto armado para trabalho do limpador que parecia sempre aguardar de bom humor. Começava este a apagar o restante do fogo da fornalha e esfriar tudo com generoso jato de água e então cantarolando coisas até imaginárias e mão na graxa visto que de agora em diante, até o final, era só limpeza, raspagem de barro ressequido, lixamento, reapertarem de parafusos e porcas, desobstrução de peças e consequente lubrificação; linguajar curioso surgem nas profissões né ? quando dizem lubrificar, referem a adição de óleos de diversas texturas e quando engraxar, se referem introduzir pasta expeça, mais grossa que visgo . Agora estando todos os mancais, rolamentos, cumanceiras, pinos e eixos azeitadinhos da silva, o limpador faz um asseio daqueles pra ninguém botar defeito como de sua cliente fosse desfilar num concurso de locomotivas bonitas e elegantes. Terminando este básico, não deixando um nadinha de sujo em qualquer parte, ele partia para a Aplicalustração incluindo Kaool -um líquido grosso- especial para bibelôs e peças de estimação, nas partes metálica douradas ou prateadas Agora são 5 ou 6 horas da matina. Forra e fundo da fornalha com lenha, ateia fogo e vai tomar o seu banho quente com muito sabão de pedra e uma pasta arenosa, cantando no capricho como se fora um Bing Crosby, All Jonson, ou Benaminio Gigli.. As 7 horas chega com cara de sono o foguista que aplica a clássica pergunta; -Dia. Alguma novidade ? tudo bem ? e a nossa Maria Fumaça ? e, recebe as respostas também clássicas. 0 foguista arregaça as mangas da sua camisa kaki e escolhe paus de lenha a seu gosto e abastece a fornalha da sua maneira peculiar que já fora acesa pelo limpador. Testa todos os pontos vitais de praxe e chega a dar um apitinho discreto como a dizer oquei e coloca em movimento aquele instrumento que descansara a noite toda e acabava de sair de seu toalete, ainda fresquinho e perfumado, pronto para atacar outra jornada de mais umas 12 horas no cumprimento de seu dever de transportar vidas, valores, prazer e até sonhos, contribuindo com o ganha pão direto e indireto do ser humano. A máquina deslizava devagarinho como que reservando suas energias para transpor os vales, morros, planícies desde Poços de Caldas até pelo menos Aguas da Prata, ainda dentro a cratera de um vulcão extinto a mais de 12 mil anos cuja boca ( cratera ) consideramos que seja no sitio Campo do Meio aqui na região de Caldas . Esta 1ª marcha no pátio da CM, aforando a economia de energia, pode-se também ser interpretada como homenagem aos primeiros passos de um bebê , quando da partida da composição que inaugurou o primeiro trecho da Estrada de Ferro C M que partindo de Campinas , chegou a Jaguary , -hoje Jaguariuna- em 03/05/1875 depois de percorrer 34 kilômetros de emoção e confiança no futuro.
Continua amanhã