TREM ( VI ) Ludgero Borges
É maravilhoso o que o Grande Arquiteto do Universo faz com seres mediadores de seus ensinamentos. Dentre milhões de exemplos, lembramos o do maior compositor de todos os tempos, nas Três Américas , Heitor Villa-Lobos ( 05-03-1887¨- – 17-11-1959 + ) o homem que muitíssimas vezes mediou sons Naturais para ouvidos humanos, o Sêr que com a arte até inconcebível, de instrumentos vários, possibilita o homem ouvir o Uirapuru, a codorna, o rosnar da onça pintada, a quebra do galho do araçazeiro, o corcove do lambari na plácida superfície do lago adormecido, a absorvente magia que poderá escurecer, assim como a outra que produz a iluminação no simples tanger do arco sobre cordas dos instrumentos. Villa-Lobos nos anuncia a presença da moça, da mesma forma a do malfeitor, através do tom musical que emprega. Leva-nos no rastro do serrote, da serra para metais, nas pancadas do martelo, no arranhar de rodas de ferro em bruscas freadas ou tanger de sinos em campos ou matas distantes. A sensibilidade e fina arte de produzir e qualificar sons, esse incrível maestro impressiona ouvintes do mundo inteiro assim como o faz na sua 0bra 0 Trenzinho Caipira, principalmente para o despretensioso tema desta narrativa. Semduvidamente o espelho onde este autor vê, refletido nele, o próprio Heitor Villa-Lobos materializando a Cia. Mogiana de Estrada de Ferro numa saudosa ‘realidade’ que só o coração pode sentir.
Como devemos lembrar, um pouco acima colocamos o leitor plantado em pé em toda a extensão da plataforma de espera interna da Estação, todos com os olhos fincados na entrada do Trem que despontava qual manada de búfalos, na reta da Chave de Entrada com tal vigor que parecia indicar que passaria direto e reto , veloz e decidido junto ao prédio pretendendo parar só na Igreja Matriz de Nossa senhora da Saúde, á uma légua adiante dali. Um historiador poderia facilmente transformar os dois minutos finais da entrada triunfante do P-21 na Estação da Cia. Mogiana. em meia dúzias de paginas coloridas e até dramáticas, de cena heroica da história da humanidade, tudo que pode representar a chegada do Trem das cinco em Poços de Caldas para aqueles que emocionalmente o aguardava. Nosso sentimento de criança que imaginava a chegada de um dragão lendário, ao ver e ouvir um trambolho de ferro de 5 metros de altura, largo como nave interplanetária , barulhento como tremor de terra, apitando, esguichando um par de vapor branco, violento, estridente e como se não bastasse, batendo um sino de bronze no alto da caldeira que era encimada também por dois enormes cupins de ferro semi polido e mais uma curta chaminé que soltava jatos violentos e fogosos de fumaça contendo ainda algumas brasas viva. A emoção da cena fazia subir uma espécie de nó na nossa garganta e as vezes, lágrimas nos olhos, na medida que aquela avalanche ensurdecedora avançava na nossa direção. Por momentos, se não se freasse o impulso instintivo, sairíamos em desabalada carreira para fugir a um mortal depredador Os espectadores no geral ficavam paralisados nos quais só se notava um sorriso e mesmo assim, de apreensão ou surpresa. Algo diferente, meio fantasioso se passava todas as tardes naquele local, que a monotonia da repetição ou ausência de emoções disfarçava em casos comuns, o que não acontecia com certos temperamentos, principalmente sonhadores e criativos.
Por fim o ensurdecedor comboio de dezenas de toneladas completava a entrada na Estação num alarido de ferro se arrastando sobre ferro, ranger de freios, assopros de vapor quente e de ar comprimido e o crescente murmúrio das gentes esperantes e chegantes entremeados de uma espécie de viva “ao Trem de ferro” tudoôo ou nadaaa” ! ! ! Aqui precisamos anotar algo que diferencia outras chegadas de Trens n’outros lugares A plataforma interna de espera e serviços nestes momentos fica apinhada de gente, do meio para o final dela onde vai estacionar a locomotiva e os carros de passageiros. Do meio para o início da plataforma – por onde vai entrar o Trem -, fica mais raleado e o notável é que enfileirados no sentido ombro a ombro, em pé com a frente para o lado dos trilhos e distanciados um metro um dos outros, ficam os despachantes -carroceiros – a espera dos vagões ainda em movimento, mas diminuindo a velocidade até parar. É um espetáculo de causar inveja a instrutores de ordem unida, ou professoras de balé ; tão logo os carros de passageiros com suas janelas abertas e ainda com movimento, em diminuição, alcançam a plataforma, os despachantes grudam na sua lateral, um em cada janela, onde engancham o braço direito na ventana, sempre correndo igualmente com o carro, enquanto com o braço esquerdo gesticulando, e com os olhos fincados nos de passageiros, oferecem seus serviços para desembaraçar bagagem na parada final e conduzi-la ao seu destino. Um espetáculo ! Ninguém se atropela ou invade áreas de colegas apesar da carreira digna de uma São Silvestre disciplinada. A maioria dos despachantes pode conseguir até dois ou três fregueses, pois nos seus bonés de licenciados pela CM, traz um visível numero o que dá uma segurança aos passageiros. É como se o despachante tivesse auxiliar e enquanto se comprometia com um cliente, o ajudante iria reunindo pertences dos já aderidos. Não eram todos os carroceiros que corriam as janelas, por condições físicas ou outras. 0s que simplesmente assistiam , prestavam ou não serviços aos colega ajudando-os a organizar e carregar as bagagens, fazer anotações dos endereços nos quais se comprometiam entregá-las em menos de uma hora, isto se o freguês não tomasse ali mesmo no pátio, uma locomoção. Taxistas -chamados de chofer.-, gratificavam os despachantes pelos serviços. O mesmo acontecia com os hoteleiros.